Algumas referências conceituais para análise das organizações sociais

Aécio Gomes de Matos

Fonte:

MATOS, Aécio Gomes de

Organizadores sociais: algumas referências conceituais para análise das organizações sociais. Recife: Revista Estudos de Sociologia, v.10, p.123 – 154. Editora da UFPE, 2004.

Resumo

Este artigo parte da percepção de que um dos resultados mais importantes de uma pesquisa acadêmica consiste na reflexão sobre a coerência dos seus métodos e no aprofundamento, na adaptação e expansão de novos conceitos e novas abordagens teóricas que permitam interpretar e compreender a realidade objetiva com a qual se trata. Nesse contexto, foram estudadas as relações sociais em uma área rural, abordando as dinâmicas institucionais, organizacionais e comportamentais.  Partindo de referencias fundamentais da teoria dos grupos sociais, construiu-se uma abordagem original para análise e interpretação dos processos sociais nos assentamentos da reforma agrária, com aparente potencial para ser aplicada a outras realidades onde se operam processos de organização social.

Palavras-chave: Organização social. Reforma agrária. Capital social.

Título em inglês

Abstract

This article starts from the perception that one of the most important results of an academic research consists in the reflection on the coherence of its methods, in the deepening, adaptation and expansion of new theoretical approaches that allow to interpret and to understand the objective reality which is treated. In that context, the social relationships in a rural area were studied, approaching the institutional, organizational and behavioral dynamics. From the basics references of the theory of the social groups, are constructed an original approaches to analysis and interpretation of the social processes in the projects, with potential to be applied in the others social organizations.

Palavras-chave: social organization; agrarian reform; social capital.

Este artigo parte da percepção de que um dos resultados mais importantes de uma pesquisa acadêmica consiste na reflexão sobre a coerência dos seus métodos e no aprofundamento, na adaptação e expansão de novos conceitos e novas abordagens teóricas que permitam interpretar e compreender a realidade objetiva com a qual se trata. O compromisso da pesquisa social, num momento histórico em que o país inicia um ciclo mais ativo da consciência e da participação cidadã, se constrói procurando resgatar o trabalho científico pelo seu valor político. É preciso estar alerta aos “obstáculos epistemológicos” apontados por Gaston Bachelard (1993), evitando cair no empirismo de uma leitura simplista da realidade envolvida ou nos reducionismos do conhecimento unitário, das generalizações de origens animistas ou substancialistas.

As considerações apresentadas a seguir partem do estudo das relações sociais em uma situação específica da área rural, abordando as dinâmicas institucionais, organizacionais e comportamentais (MATOS, 2000). Nessa perspectiva sociológica, utilizamos alguns conceitos da teoria psicanalítica correlacionados aos processos grupais, numa abordagem que, desde o início, parecia útil à interpretação da realidade em foco e que se demonstrou muito fecunda para a análise dos coletivos rurais, com aparente potencial para ser aplicada a outras realidades onde se analisem as dinâmicas sociais.

Na prática, as pesquisas aqui citadas partem de um referencial metodológico centrado na análise institucional (LOURAU, 1975), num esforço de compreensão da situação contextualizada no final da década de 1990 nos assentamentos da reforma agrária no Nordeste do Brasil. Tem como objetivo central esclarecer quais os processos que facilitam ou dificultam a organização das comunidades no sentido da formação de sujeitos sociais autônomos na luta pela inclusão social.

A pesquisa orientou-se na busca de dispositivos e processos que contribuem para a organização coletiva com duas lógicas diferentes e complementares: uma, objetiva, de caráter técnico e racional; outra, subjetiva, estruturada nas instâncias do imaginário, na essência do sentir e do ser coletivo.

Para compreender essas duas lógicas trabalhou-se com um conceito de “organizador social”, que foi gradualmente formulado na própria pesquisa numa perspectiva sociológica, a partir de um conceito semelhante de cunho psicanalítico. Nessa ampliação da referência teórica do conceito de organizador social se coloca o foco nos dispositivos e processos que contribuem de formas diversas para a organização dos grupos sociais. Desenvolve-se uma atenção particular, para a construção de sujeitos sociais, como uma unidade auto-regulada, exprimindo-se pelo reconhecimento recíproco e por sentimento de inclusão, que se caracterizam pelo uso da primeira pessoa do plural, “nós”. Segundo Barus-Michel (1987, p.27),

[…] ao contrário do sujeito individual, o sujeito social não se define a partir de um substrato orgânico que lhe garantiria a integridade. É apenas uma organização, uma unidade postulada, construída, que pretende se garantir a si mesma, para estabelecer a lei que especifica o social.

Na perspectiva psicanalítica, o conceito de organizador social, ou mais propriamente de “organizador grupal”, foi utilizado por Anzieu (1993, p.179) para designar o que ele chamou de organizadores psíquicos inconscientes do grupo, considerando que existe

[…] um roteiro imaginário que se representa entre várias pessoas, o sujeito estando geralmente presente no palco a título de espectador não de ator. Resulta disso […] uma representação grupal interna. Em sua conduta, em seus sintomas, em seus sonhos noturnos o sujeito tenta realizar esse roteiro.

Anzieu procura assim explicar os processos inconscientes de organização dos grupos sociais a partir dessa representação grupal interna em que “alguns membros servem a outros, ora de referenciais identificatórios, ora de suporte projetivo” das suas próprias características pessoais.

Partindo dessa referência teórica de base psicanalítica, a pesquisa permitiu identificar outros tipos de organizadores com referenciais sociológicos, já sugeridos por Anzieu na mesma obra (1993, p. 97): “Nem tudo se reduz à psicologia, e há organizadores econômicos, sociológicos, históricos.”

Na prática, a análise do material empírico coletado aponta um conjunto bastante amplo de organizadores sociais que aparecem de uma maneira mais ou menos generalizada na história dos assentamentos e que pelas suas características foram ordenados em três tipos diferenciados:

  • organizadores instrumentais, com a predominância da racionalidade instrumental e da razão técnica;
  • organizadores simbólicos, respaldando sentimentos de pertencimento, estabelecendo os limites do interno e do externo ao coletivo;
  • organizadores imaginários, que operam fundamentalmente com o imaginário grupal e com os processos inconscientes de identificação.

Cada um desses organizadores observados nos assentamentos parecia ter uma função diferente e um momento preciso de utilidade. Ao mesmo tempo eles coexistiam simultaneamente, reforçando-se ou contrapondo-se com maior ou menor efetividade e eficiência operativa. Na prática, apesar dos aspectos contraditórios em muitas situações, esses organizadores pareciam traduzir estratégias articuladas que se justificavam na evolução das lutas sociais, da organização comunitária, das relações com as instituições públicas e suas políticas, nas relações com os proprietários de terra e com a sociedade civil.

Aos poucos, na evolução da pesquisa, ao mesmo tempo em que se demonstraram coerentes para interpretar a realidade estudada, esses organizadores constituíram não apenas um referencial teórico fundamental à análise da realidade dos grupos sociais, mas também um roteiro importante na abordagem metodológica qualitativa para compreensão dos processos organizacionais nas comunidades, onde as referências grupais são dominantes.

Desta forma, do ponto de vista científico, é razoável considerar que o conceito de organizador social e sua aplicação à análise sociológica demonstraram não apenas consistência teórica, mas garantiram a formulação de um conjunto de reflexões e sínteses coerentes com a interpretação da realidade social estudada, podendo servir de base para aprofundamentos posteriores envolvendo outros contextos sociais.

Numa perspectiva didática, procuramos neste artigo descrever e detalhar a tipologia de organizadores acima referida, analisando a maneira como eles são mobilizados, sua utilidade para a organização das comunidades, sua consistência, eficiência e sustentabilidade no curto, médio e longo prazo da experiência dos grupos pesquisados. Em cada um dos três conjuntos de organizadores serão detalhados aqueles que apareceram de maneira mais clara nas situações estudadas nos assentamentos da reforma agrária. Em outras situações, a aplicação dos conceitos aqui empregados poderá revelar outros indicadores que sejam mais relevantes e que não apareceram na realidade analisada.

1 Os organizadores instrumentais

Nunca as lutas sociais no Brasil foram conduzidas com tanta racionalidade quanto no caso dos trabalhadores rurais nas duas últimas décadas. As estratégias de atuação dos movimentos sociais e sindicais são planejadas em congressos de âmbito nacional e conduzidas de maneira coordenada em nível regional e local; as ocupações de terras são planejadas com meses de antecedência; a pressão política é ordenada para atingir objetivos precisos; as políticas de comunicação são formuladas e conduzidas por pessoal especializado; a formação de quadros e militantes tem a organização equivalente à de uma imensa universidade aberta, com um viés prático e operacional, sem faltar respaldo acadêmico de muitos núcleos universitários, como é o exemplo da Unisinos, no Rio Grande do Sul, cujos professores e pesquisadores dão um grande apoio ao MST. Toda essa organização tem funcionado como um dispositivo racional com um foco operativo voltado para os assentamentos, com resultados práticos e objetivos.

Como se verá a seguir, os organizadores instrumentais, sobretudo os de caráter político e econômico, parecem ser os preferidos dos movimentos sociais rurais porque, sendo mais claros na articulação entre os objetivos e o esforço para atingi-los, facilitam a mobilização social. Mas, apesar de sua grande eficiência no curto prazo, perdem eficácia na fase de assentamento porque a racionalidade gerencial é muito complexa para a cultura pragmática dos assentados. Ao mesmo tempo os modelos de coordenação mais autoritários parecem não se adequar fora das lutas de confrontação, particularmente na coordenação das atividades produtivas, pelas quais os trabalhadores foram levados a sonhar com a libertação da relação de domínio com o patrão.

De fato, os métodos mais diretivos, que são aceitos pelos trabalhadores nas estratégias para obtenção de terras, considerando que a clareza e a importância dos fins e os níveis de tensão justificam comportamentos mais emocionais e exigem adesão incondicional, não parecem tão eficazes em situações mais complexas, nas quais se exigem decisões mais racionais e engajamentos de longo prazo. Nessas condições, os assentados desenvolvem comportamentos mais conservadores, seja com posturas mais individualistas, seja buscando articulações mais estáveis, sobretudo no plano das referências identitárias, como exposto mais adiante.

Serão detalhados a seguir os três tipos de organizadores instrumentais mais relevantes para os assentamentos da reforma agrária estudados, definindo suas características e analisando seus processos, suas eficiências, eficácias e efetividade na luta dos trabalhadores.

1.1 Os organizadores políticos

Entendem-se como organizadores políticos as estruturas e processos sociais que concorrem para o incremento de poder e da posição relativa que um coletivo social assume no contexto social mais amplo. Os organizadores políticos que apareceram nos assentamentos congregam um conjunto de referências de poder que parecem determinantes na adesão aos movimentos de luta pela reforma agrária, quais sejam:

  • a importância da representação política dos trabalhadores rurais no conjunto da sociedade brasileira;
  • a capacidade de mobilização e de coordenação que as organizações populares têm sobre as massas de trabalhadores sem terra, visando a reforma agrária;
  • as estruturas de coordenação dos movimentos sociais que constituem níveis hierarquizados de decisão e controle, nos acampamentos e nos assentamentos, estendendo-se aos planos microrregional, estadual e nacional;
  • a organização interna dos assentamentos e sua articulação com os organismos do setor público nos níveis municipal, estadual e nacional;
  • as estruturas de coordenação intercomunitária, que começam a surgir compondo instâncias de maior abrangência regional, onde se constituem conselhos e coordenações com representantes das instâncias e coletivos de nível local.

Conforme nossas observações, a importância dos organizadores políticos, desde as primeiras mobilizações para recrutamento dos trabalhadores sem terra até as lutas de pressão pela obtenção de recursos para financiar os assentamentos, decorre da forma direta e clara como é trabalhada a relação custo/benefício. Isto fica mais evidente numa população que já vive no limite da subsistência, sem nada a perder e com uma perspectiva positiva de receber um pedaço de terra e dinheiro, com o aval de uma história de lutas bem sucedidas conduzidas pelos movimentos sociais.

O MST, ele é um movimento assim de força, quando tem uma coisa assim, eles conseguem. ( 2, 3)[1]

Os movimentos sociais aparecem para os trabalhadores rurais sem terra como dispositivos libertadores, éticos e identificados com as populações pobres (Desde o fundamento, até hoje, nós tamos aqui através do Movimento. – 41, 3); uma opção alternativa de organização política objetiva numa estratégia de confrontação na luta por uma vida digna para suas famílias; confrontação com “o patrão e seus capangas”, com “o governo e sua polícia”, com riscos calculados e uma chance elevada de sucesso.

Tinha muita perseguição, aqui. Muita ameaça de morte. Agora mesmo disseram que eles tão querendo conquistar novamente esse assentamento e disseram que vai pistolar dois ou três aqui pra ver se consegue. (63, 4)

Ao contrário do que ocorre com as questões políticas mais complexas, o objetivo da luta pela terra é perfeitamente compreendido pelos trabalhadores, ao mesmo tempo em que as possibilidades concretas de obter a terra unindo-se aos movimentos sociais justificam os riscos.

É, nós já éramos aqui da cidade e através do movimento sem terra que a gente começou a fazer uma pesquisa sobre as possíveis áreas que poderiam vir a ser assentamento. Aí nós fizemos várias discussões com o pessoal na cidade junto com o sindicato rural do movimento sem terra […] (30, 1)

Aí o pessoal do sindicato passou anunciando num carro de som aí eu fui lá pra reunião e ingressei no acampamento. (54, 1)

Analisamos, por outro lado, que o poder dos movimentos sociais, na confrontação para fora, projeta-se simbolicamente para os trabalhadores como uma força que, da mesma forma que enfrenta os patrões e o governo, pode ser também disciplinadora para eles e, desse modo, representa uma ameaça latente a todos que se encontrarem em oposição, inibindo a explicitação das contradições naturais aos processos sociais e das discordâncias que possam ser assumidas como contraposição aos grupos hegemônicos.  Neste sentido, segundo nossas avaliações, os movimentos sociais responsáveis pelo poder que os trabalhadores rurais têm no plano nacional podem ao mesmo tempo estar inibindo a autonomia das organizações dos assentamentos.

[…] ou a gente aceitava a cooperativa, ou quando a terra fosse desapropriada, nós ia pra outra área. Aí, nós, bestinha, aí teve a obrigação de aceitar a cooperativa. (36, 3)

Tem que fazer o que Seu Chico [líder do Movimento Social] quer, porque se a senhora não fazer o que Seu Chico quer, a liderança de Seu Chico é grande… (38, 13)

1.2 Organizadores econômicos

A importância do econômico como organizador social está relacionada à capacidade de mobilização das pessoas que tendem a se unir para lutar coletivamente pelos meios de subsistência e melhoria da qualidade de vida de suas famílias sob o pressuposto básico de que a união em torno dos movimentos sociais torna os trabalhadores pobres mais fortes.

Eu vivia, nas periferias da cidade, desempregado, até passando fome e vim pra terra através do Movimento. (18, 6)

Os principais tipos de organizadores econômicos com força para aglutinar os trabalhadores em torno de ações coletivas, relacionados a seguir, assumem da mesma maneira que os organizadores políticos um caráter macrossocial, com pouca influência nas motivações relacionadas à organização produtiva. São organizadores que, por falta de alternativas econômicas, mobilizam os trabalhadores rurais na luta pela terra, e que podem ser ordenados nos três tipos mais significativos:

  • o reduzido custo de oportunidade da reforma agrária para os trabalhadores diante da falta de alternativas econômicas viáveis;
  • expansão da reforma agrária como alternativa concreta de acesso aos meios mínimos de inserção produtiva;
  • o acesso a recursos de financiamento para instalação e implantação de culturas produtivas, sob condição de estarem organizados em associações.

Embora os movimentos sociais encarem a luta pela reforma agrária pelo ângulo político e ideológico de uma grande transformação social no país, para os trabalhadores rurais a motivação central é de caráter econômico. , uma alternativa ao desemprego e ao desabrigo e uma perspectiva de vida melhor, com terra, um lugar para morar e a possibilidade de produzir para o sustento da família.

Na realidade, eles [coordenadores dos movimentos sociais] têm conhecimento das fontes aonde buscar recursos. (65, 3)

Nós, através da associação, vamos buscar os projetos, já trouxemos pra cá, já conseguimos o fomento, o alimento, já está em andamento o investimento pra plantação de inhame, coco, banana, também um custeio de mandioca, já está tudo no projeto feito. (63, 3)

A luta pela terra capitaneada pelos movimentos sociais é assumida assim pelos trabalhadores rurais, em situação de pobreza crônica, numa perspectiva instrumental, como última alternativa para melhorar de vida como uma decisão racional, onde pesam, de um lado, os riscos do enfrentamento com os patrões e seus capangas, a polícia e a lei; do outro, referências simbólicas que se respaldam na possibilidade concreta de ganhar e ser proprietário de um pedaço de terra onde poderá morar e plantar no que é seu, sem ter que dividir com o patrão.

Aí, já que a gente tava desempregado e as terras tavam aí, a gente viemos. […] Fui entrando assim e eu quero dizer que a graça primeiramente a Deus e segundo ao Movimento dos Sem Terra. […] o desemprego é muito grande, a gente se achava desempregado, e então a gente corremo pra uma área de terra que tava aí, pra melhor dizer, desabitada no mato, sem produzir e a gente corremo pra poder produzir nela. Quer dizer, eu acho o Movimento [MST] interessante através disso, que deixou a gente situado, ele pega a gente desobrigado e deixa situado, até um ponto de moradia. (18, 5-6)

Já na fase de assentamentos, os organizadores econômicos, correlacionados aos esforços de mobilização para trabalhos coletivos, sob a justificativa de aumento da renda, de ganhos de escala e melhoria da produtividade, não parecem sensibilizar os assentados.

Eles num se une […] na produção nem no transporte para vender em quantidade.  (66, 2)

Eles desconfiam dos processos de apropriação dos resultados e da própria gestão do patrimônio coletivo; seja por razões culturais e afetivas, seja pela falta de condições para entender a operação de sistemas racionais de controle.

Tudo deles [movimentos sociais atuantes no assentamento], todos projetos deles é por cima, eles ficam com a metade do dinheiro. (36, 3)

Só que eles [representantes da cooperativa] fazia aquele projeto, comprava aquelas vaca, mas o dinheiro não vinha pra mão da gente. Então achamo que não dava certo. ( 44, 5)

O coletivo é por obrigação, quando se tem projeto, todo mundo plantar, quando se tem dinheiro, todo mundo plantar. (29, 3)

Dependentes da chuva, dos recursos do governo, dos atravessadores, dos movimentos sociais e das lideranças que batalham os recursos, das decisões da comunidade, o assentado parece distante do sonho de autonomia e prosperidade; simbolicamente, alguns (mais significativamente na região tradicionalmente produtora de cana-de-açúcar) reclamam da falta do emprego e do salário certo no final do mês, por menor que seja.

[…] temos saúde, temos a terra, que era esse o objetivo e depende também de Deus mandar a chuva e precisamos de algumas ajudas, por exemplo, do INCRA, para que a gente produza, de crédito para produzir, precisamos de mais água. (4, 5)

A gente trabalhar como empregado, fazia 9 anos que eu trabalhava aqui como empregado e de uma hora pra outra, a gente chegar assim, é muito difícil, não é muito fácil não. (29, 4)

É isso aí que tem que mudar, eles têm que acreditar neles. Ou eles acreditam neles mesmos ou vai ficar numa situação pior de que empregado. (65, 10)

Antes, quando era fazenda, era bom porque tudo vinha pra gente. Também a gente lucrava mais, nera? O patrão era bom pra gente aqui, então… (20, 4)

1.3 Os organizadores gerenciais

A capacidade de organização de um grupo social pode ser fortalecida através de processos gerenciais que permitam ganhos de sinergia na administração dos recursos disponíveis, à medida que a perspectiva desses ganhos justifique a mobilização das energias associativas no interior do grupo e a busca de racionalidade dos processos sistemáticos de planejamento e gestão das atividades coletivas.

Não obstante não tenhamos localizado nenhum assentamento utilizando modelos gerenciais mais refinados, podemos considerar que os esforços de coordenação e mediação dos processos organizacionais do assentamento podem caracterizar a tentativa de gerir os trabalhos na área, na perspectiva de obter melhores resultados. Encontramos quatro tipos de organizadores gerenciais:

  • a associação de assentados que canaliza e coordena as expectativas e as demandas do assentamento, assumindo a iniciativa de organizá-las, interpretá-las e encaminhá-las institucionalmente ao INCRA, aos bancos, aos órgãos estaduais e municipais provedores de serviços e recursos;
  • os processos de planejamento participativo, mobilizando a comunidade para formular e tomar decisões que afetam o assentamento, particularmente em torno de projetos de financiamento;
  • os projetos de financiamento e implantação de atividades produtivas, como dispositivos de planejamento e de articulação institucional;
  • os processos de regulação e controle das produções coletivas (onde existem), particularmente naquilo que diz respeito às mediações entre as contribuições de cada um para o coletivo e benefícios que cada um tira do coletivo.

Apesar desses organizadores, as dificuldades de articulação e de gerenciamento do assentamento decorrem tanto da ausência de coletivos mais bem estruturados politicamente como da deficiência dos métodos com relação à autonomia dos processos decisórios fundados no acesso dos assentados às informações e sistemas consolidados de planejamento.

Aqui quando a gente vai fazer uma coisa, umas querem horta, outras querem uma criação de galinha, outras querem negócio de queijo, outras já querem fazer rede; aí não se decide, nunca chegam num acordo certo, cada qual quer uma coisa… (1, 5)

Tem as reuniões de mês, prá ver quem pode pagar, mas só serve prá se reunir […] eu nem sei prá que é que tá servindo a associação. (2, 3)

A gente não tem condições para fazer reunião. (65, 4)

Os modelos de planejamento participativo introduzidos pela assistência técnica e pelos movimentos sociais não geram o necessário e desejado engajamento dos assentados às decisões tomadas, tanto pelas deficiências dos processos metodológicos como pela postura diretiva dos movimentos sociais e pela dificuldade de acesso aos técnicos do INCRA, aos gerentes dos bancos.

São poucas pessoas que querem ajudar o pequeno, dentro do INCRA. Isso aí é aonde chegar, é no banco mesmo; são poucos os órgão que querem ajudar os pequenos. (1, 21)

A falta de controle e até de conhecimentos dos assentados sobre as decisões coletivas e sobre sua implementação funciona mais como um desorganizador social do que como organizador.

Tem reunião só pra falar aquele bate-papo e não resolve nada. (11 b, 2)

Plantaram os pés de maracujá pra tapiar o banco né, e plantaram lá uns pezinho de banana comprida… é de banana anã e tá parado lá. (33, 7)

Sem isso, a falta de engajamento dos assentados e a condução do processo decisório pela iniciativa das (mesmo bem intencionadas) lideranças continuarão a marcar a desarticulação dos sistemas produtivos e comerciais dos assentamentos, pela impossibilidade de montar sistemas gerenciais coletivos.

Já se falou muito em produção coletiva, que foi muito propagado, mas continua trabalhando cada uma na sua parcela e lucrando. (10, 3)

Mas eu não posso trabalhar ali [coletivo], porque eu tenho meus bichos pra tratar, né? Na hora de fazer uma raçãozinha pra eles, essas coisas, eu tenho que tá de dentro. (52, 2)

2 Os organizadores simbólicos

A lógica de formação das identidades sociais constitui uma dimensão essencial aos processos organizacionais, à medida que inclui e exclui, reúne e separa as pessoas que precisam se diferenciar uma das outras na afirmação de suas individualidades e na ocupação dos espaços sociais próprios. Ao mesmo tempo, as pessoas necessitam se associar umas às outras, primeiro porque elas não conseguem viver isoladas, depois porque precisam se articular para defender coletivamente seus direitos e prerrogativas sociais.

A consistência de uma organização social depende assim da capacidade que ela tem de agregar os seus membros e de distingui-los dos demais. Os membros de um grupo social precisam sentir que são distintos do conjunto da sociedade, pelas singularidades e características próprias que os diferenciam de outros grupos sociais, como um conjunto especial que os reúne pela semelhança interna e os separa de outros grupos e da sociedade como um todo, pelas diferenças externas. Estas diferenciações se expressam sobretudo de maneira simbólica, através de imagens sociais que cada grupo constitui de si mesmo; símbolos que podem ser de caráter geográfico (local de moradia, de reuniões, …), ideológicos, religiosos ou que podem ser expressos por vestimentas, bonés, bandeiras, hinos, … todos com uma única função de unir os iguais e distingui-los dos demais.

A identidade coletiva se constrói assim a partir do reconhecimento simbólico de cada indivíduo como membro de um determinado grupo social. E mais, essa identidade será tão mais forte quanto maiores sejam os significados objetivos e subjetivos que esse reconhecimento implica com relação à inserção do indivíduo no contexto social mais amplo.

Nos assentamentos, observamos que o nível de cooperação produtiva que os assentados experimentam tem uma correlação direta com as identidades grupais que eles podem construir, associadas às origens históricas e às referências comuns nos planos ideológico, cultural e religioso, dando maior coesão e articulação coletiva para definir e atingir objetivos comuns ou complementares.

Apresentaremos, a seguir, os cinco tipos de organizadores simbólicos que pareceram mais relevantes nos assentamentos estudados.

2.1 Os organizadores históricos

A história da inserção social do individuo é uma das principais referências da formação e sustentabilidade dos assentamentos, onde podemos localizar os seguintes organizadores que demonstram gerar sentimento de inclusão e exclusão social:

  • parentescos, compadrio e vizinhança, envolvendo famílias com muitos anos de conhecimento, interesses comuns, solidariedade e canais privilegiados de comunicação;
  • a cidade de origem, que mesmo sem um conhecimento anterior é um organizador importante nos assentamentos, se não para a efetivação de ações conjuntas, pelo menos para referências coletivas, predispondo as pessoas para articulações preferenciais;
  • as experiências coletivas de luta pela terra, as vivências em acampamentos organizados pelos movimentos sociais, que funcionam como uma forte referência identitária, tanto integrando as famílias com uma história comum como diferenciando-as das demais famílias do assentamento.

Os movimentos sociais trabalham sistematicamente para a formação de identidades coletivas nos assentamentos, concentrando-se nas referências históricas das lutas pela terra e nos seus ideários, com o objetivo maior de constituir uma identidade que consolide o poder do assentamento na luta pelo seu desenvolvimento, pela melhoria da qualidade de vida das famílias e pelo fortalecimento da organização dos trabalhadores numa perspectiva mais ampla.

A força nossa é do Movimento. (41, 6)

Eu vivia isoladamente num canto sem ser representado por ninguém, cada um por si e Deus por todos e aqui eu acho que mudou porque aqui é todos por um e um por todos, então isso dá muita força, muita força de vontade e lutar de um lado e de outro, a gente unido sempre consegue as coisa. (31, 2)

Não obstante as boas intenções dos movimentos, a constituição de uma identidade coletiva fundada em novas referências, externas à cultura dos assentados e com objetivos mais abrangentes que os seus interesses imediatos, encontra dificuldades ditadas, sobretudo, pelas resistências à re-socialização, na medida em que para afirmar essa nova identidade é necessário desinvestir nos laços históricos que unem os grupos familiares e em outras relações pré-existentes ao assentamento e ao acampamento.

A gente entendia que [acampados] era igual a gente, só que a gente não se unia. Primeiro, eles andavam com muito facão, esse movimento aqui eles só anda muito armado. A gente não tinha arma pra ficar em casa, aí, a gente teve medo. (17, 6)

Eu chegava e dizia: “olha, eu tenho um amigo meu” [para assentar na terra], até gente conhecida aqui, conhecidos de todo mundo aqui, vizinhos, aí chegava e queria entrar. (1, 8)

Quando novas pessoas [para formar o assentamento] chegou logo, a gente não achou muito bom não, mas depois… agora é que se uniu, mas quando chegou logo a gente não gostou muito não. Ficou tudo cismado, rapaz. (17, 5)

Esse movimento etnocêntrico não é apreendido positivamente pelos movimentos sociais e termina por provocar cisões com parte dos assentados, em prejuízo da organização coletiva e do desenvolvimento do assentamento.

Eles não davam valor ao nosso tipo de coisa, como era o nosso projeto, aí resolveram fundar uma outra associação e hoje tem as duas. (1, 9)

2.2 Organizadores ideológicos

Os valores ideológicos podem ser referências importantes para a formação de coletivos na medida em que permitem estabelecer padrões de inclusão-exclusão, ordenando a estrutura social de maneira coerente. Com maior ou menor relevância, a pesquisa constatou os seguintes organizadores ideológicos nos assentamentos da reforma agrária:

  • os valores éticos e programáticos dos movimentos sociais, divulgados em documentos, palavras de ordem e símbolos;
  • o exemplo estóico do comportamento da militância ideologicamente identificada com os movimentos sociais e comprometida com a luta dos trabalhadores;
  • valores éticos naturais da zona rural, tradicionalmente submissos à reprodução social das instituições, aceitas e controladas pelas classes dominantes.

Embora reconheçam e aceitem os valores programáticos dos movimentos sociais, sobretudo no que diz respeito à luta dos pobres por justiça social, as referências ideológicas dos trabalhadores rurais são ditadas pela religião e pelo senso comum que sempre foram subsidiários da ideologia das classes dominantes, dificultando a formação de uma base de poder mais efetiva na luta contra a exclusão social.

A reforma agrária é uma luta de todos, tanto do campo como da cidade, não á fácil, mas que a gente espera sempre contar com a colaboração e ajuda de todos. (30, 6)

Essa contradição, mediada na fase da luta pela terra, com a adesão incondicional da liderança dos movimentos sociais, termina se equilibrando sob a influência de ideologias mais conservadoras, à medida que se consolidam a posse da terra e os créditos que dependem do poder de pressão da organização coletiva.

A exploração da cana-de-açúcar matou todos os valores das pessoas e também a cultura de que na verdade aí a gente sente essa dificuldade, então a gente vê que o que junta mais as pessoas é o lado mais religioso. (30, 5)

2.3 Organizadores religiosos

A religião sempre exerceu uma grande influência nos comportamentos individuais e na organização social no meio rural, razão que qualifica os processos religiosos como um poderoso organizador, que aparece nos assentamentos com a seguinte tipologia:

  • a tradição conservadora da Igreja Católica disputando espaço com as correntes engajadas da Igreja;
  • as organizações de base católica na linha da Teologia da Libertação engajadas diretamente na luta pela reforma agrária;
  • a presença crescente das igrejas evangélicas nos assentamentos da reforma agrária.

Embora as práticas religiosas não apareçam com importância definitiva na vida dos assentamentos, a religião é um componente insubstituível em todas as atitudes e posturas dos trabalhadores rurais, tanto no sentido de aglutinar forças para a organização social como para induzir à acomodação e ao conformismo.

Somos tudo católico. Aí então nós fomos se reunindo, olhando a Bíblia, lendo, e apurando o causo, né, até que deu certo a gente se ajuntar e sair à procura da terra. (2, 1)

A presença crescente das igrejas evangélicas nos assentamentos, pelo nível de autonomia com que se organizam e pela orientação capitalista que incutem aos seus seguidores, tanto pode contribuir para aumentar a resistência aos movimentos sociais como para implementar a racionalidade econômica e a organização social das famílias assentadas.

Atividade que reúne muita gente só na Assembléia [de Deus] que reúne. […] Às vezes tem uma pessoa que não é crente, a gente levanta a igreja em oração, fazemos reunião, fazemos sacrifício por ele, vamos interceder por eles pra Jesus abençoar. (63, 7-8)

Com essas contradições, a religião tem se constituído um organizador muito ambíguo nos assentamentos da reforma agrária, sem uma contribuição efetiva à organização do poder de luta dos coletivos. De qualquer forma, a diretividade da orientação de ambas as correntes deixa pouca expectativa sobre a organização autônoma das comunidades por influência da religião.

2.4 Organizadores culturais

Os aspectos culturais têm grande importância como organizadores sociais, na medida em que instituem a partilha de significados e práticas comuns, pelo grupo, consolidando referências coletivas. Encontramos, nos assentamentos, quatro tipos de organizadores culturais:

  • a ligação atávica com a terra, com o trabalho na terra, comum à grande maioria dos assentados, inclusive os recrutados nas cidades;
  • o nível crescente de instrução dos jovens que freqüentam a escola, em número superior à geração anterior;
  • os programas de ensino básico (inclusive alfabetização), capacitação e qualificação profissional atendendo um grande número de assentamentos;
  • atividades de lazer e o futebol, como esporte genericamente praticado em todos os assentamentos e ambientes rurais, gerando possibilidades concretas de congraçamento interno e externo ao assentamento.

Apesar dos investimentos dos movimentos sociais numa cultura técnica e ativa para garantir a interlocução com as instituições públicas e com os trabalhadores, a cultura predominante nos assentamentos da reforma agrária pesquisados é típica dos moradores das zonas rurais. Essas famílias têm dificuldades objetivas de diálogo com as instituições e com os meios técnicos que poderiam ajudar na modernização produtiva, na construção da cidadania e na melhoria da qualidade de vida.

O conhecimento que eu tenho só é de plantar cana. Eu nasci dentro do plantio, a bem dizer. (52, 4)

A gente tem uma discussão de que o técnico ele teria que ser assentado numa área, a gente podia pegar uns técnicos e trazer pra o técnico pegar uma parcela e ser assentado numa área porque ele estaria convivendo sistematicamente ali e poder assim ter mais sensibilidade no sentido de resolver os poblemas não só na questão da agricultura, mas no sentido mais de subsistência das famílias também em geral, então a gente ainda estamos meio que com dificuldade.  (30, 3)

À falta desse diálogo direto, constituem-se instâncias intermediárias através dos movimentos e de outros agentes sociais que interpretam os anseios da comunidade segundo sua própria lógica política, gerando relações de dependência que terminam por inviabilizar a autonomia e o desenvolvimento dos assentamentos, comprometendo a formação de capital social pelos organizadores culturais de caráter técnico. Ao mesmo tempo essa dependência permite que agentes externos se apropriem do capital social da comunidade, à medida que controlam a representação do assentamento nas negociações externas e que assumem funções de coordenação nas relações internas.

Não obstante essas deficiências, os trabalhadores têm mecanismos próprios de interação cultural, com autonomia relativa dos movimentos sociais, particularmente no que diz respeito a esportes e festas populares, organizadas por iniciativas diretas da comunidade, numa demonstração de possibilidades concretas de desenvolver organizações sociais autônomas.

A gente sempre tem a tradição da gente, de a gente fazer festa pra… a gente não tem assim capacidade de ir para a cidade, e mesmo a gente não gosta. Natal, Ano, a gente faz aquela comemoração dentro do assentamento. (15, 16)

Os jovens se juntam e são bem organizados… eles conseguem trazer gente de outro assentamento para jogo, mesmo, eles as vezes vão as vezes vem, isso eu acho muito bonito esse grupo desse pessoal. (66,10)

2.5 Organizadores institucionais

A organização dos assentamentos depende de uma referência institucional legítima para obter o reconhecimento tanto da sociedade como de órgãos públicos. Nesse sentido, os organizadores institucionais têm importância estratégica para o desenvolvimento do assentamento, em pelo menos três orientações complementares:

  • a exigência de organização das comunidades em associações e cooperativas para ter acesso aos programas oficiais;
  • as políticas públicas institucionalizadas e os órgãos especializados para implementação do programa de reforma agrária;
  • a representação institucional legítima que os movimentos sociais têm, junto ao setor público e à sociedade.

Os processos institucionais determinados pelos organismos de financiamento da reforma agrária condicionam a organização formal dos assentados através de associações, mas têm pouca interferência na estruturação política dos assentamentos porque essas associações se voltam mais para a representação externa do que para a estruturação das relações internas. Essa situação se complica porque, mesmo sem legitimidade e sem capacidade de regulação interna, essas associações de assentados, assim como as cooperativas, assumem de fato a representação de todos as famílias do assentamento em todas as instâncias externas, inclusive na negociação e gestão dos recursos coletivos e individuais, no pressuposto de que suas ações refletem o pensamento, as aspirações e as decisões dos assentados.

Disseram: “não, se vocês quiserem esse projeto, tem que fazer uma associação”. Aí fomos atrás, juntemos todo mundo, quem quer, quem não quer. (1, 9)

Saiu um dinheiro pela seca; saiu pela associação. (39, 2)

A apatia e até a ruptura dos assentados com essas associações revelam não apenas uma certa alienação dos próprios interesses políticos e econômicos, mas também a apropriação do poder simbólico do conjunto do assentamento por associações formalizadas diante das instituições públicas, inclusive dos recursos destinados aos assentados, mesmo sem um acordo efetivo de cada um.

A gente só vê a cooperativa surgir, pega os incentivo, agora quem vai ficar devendo sou eu, é ele, que somos os assentados. (65, 5)

3 Organizadores imaginários

Depois de verificar nos assentamentos da reforma agrária a existência dos organizadores instrumentais, que se estruturam racionalmente em busca de objetivos de curto prazo, e dos organizadores simbólicos, que operam na construção de referências coletivas de inclusão e exclusão social, por identificação dos assentados em grupos e subgrupos no interior do assentamento, localizamos ainda um outro tipo de organizador diferenciado dos dois primeiros, particularmente por operar com base nas instâncias imaginárias, ou seja, no plano do inconsciente.

Simplificando a abordagem de Anzieu (1993), identificamos três organizadores operando no sistema imaginário, que respondiam pelos mais importantes comportamentos coletivos observados nos assentamentos, uma esfera menos evidente ao olhar sociológico, mas acessível a uma abordagem psicanalítica do social.

Os organizadores imaginários tratam dos processos de projeção e introjeção das referências grupais em três níveis, partindo de uma relação mais dependente, onde os assentados são organizados pela liderança, até uma posição de autonomia, cuja organização social se estrutura nas relações com um sujeito social, depois de um estágio intermediário constituído pelo rompimento da dependência com o líder.

3.1 A liderança como organizador

O fenômeno da liderança é visto aqui como uma formação grupal que se estrutura em torno de um dos seus membros que, pelo seu comportamento, pela sua maneira de ser ou pelas suas idéias, mobiliza a projeção de fantasias individuais convergentes, constituindo uma unidade na qual tanto o líder como os seus seguidores são prisioneiros de uma cena determinada pela redução dos significados individuais. O coletivo se forma por identificação com o líder, através da qual se constitui uma articulação entre os membros da comunidade. Nesse caso o que os assentados teriam em comum seria essa projeção na figura do líder, mas sem que isso configurasse a existência de interesses e projetos comuns.

Esses organizadores da liderança aparecem nos assentamentos através dos seguintes indicadores:

  • lideranças emergentes no assentamento, diferenciadas pelo conhecimento e desenvoltura, assumindo iniciativas de defesa dos interesses coletivos, com autonomia em relação a agentes externos;
  • lideranças internas ao assentamento, com apoio dos movimentos sociais nas lutas pela posse da terra e pelo desenvolvimento dos assentamentos;
  • militantes dos movimentos sociais, com papel de coordenação formal para um conjunto de assentamentos de uma região.

A organização social dos assentamentos, com base na liderança, buscando uma articulação interna, orienta-se sobretudo para operar os processos de representação da comunidade para fora, para cobrir os espaços políticos e estratégicos na negociação com as instituições públicas e com a sociedade, exigindo qualificações pouco comuns à maioria dos membros da comunidade. Além dessa diferenciação excludente de lideranças mais identificadas para fora (com os movimento sociais) do que para dentro do assentamento, essa função da liderança seria fragilizada pelo estilo diretivo dos líderes, muitos dos quais orientados de fora pelos movimentos sociais e outros agentes externos à comunidade.

Ele [líder]  trabalha bem, ele traz as coisa, corre atrás de projeto. Ele não pode saber de uma coisa que é boa pra gente que ele vai atrás, ele quer trazer, ele quer ver a coisa correr. (54, 3)

ele é o representante daqui da terra no INCRA, quando os moradores precisam de uma coisa do INCRA do Recife quem vai é ele. (23, 7)

A negação das individualidades dos assentados, pela projeção de suas fragilidades no poder dos líderes, estrutura um mecanismo de defesa inconsciente que se caracteriza pela ambivalência em relação à liderança; ambivalência expressa em posturas e sentimentos de aceitação e rejeição (havendo ou não motivos reais de desconfiança), e pela exacerbação do individualismo.

[O líder] sempre tá lá, que ele é a pessoa que é mais desenrolada, tem mais estudo de que a gente e é uma pessoa bem educada, sabe? Pessoa que conhece mais do … da área. (21, 4)

O medo da gente, é isso, é dele pegar o dinheiro, dar o golpe e desaparecer, não vir mais aqui. (58, 3)

3.2 A luta contra o líder como organizador

A ambivalência em relação às lideranças termina por mobilizar outros organizadores sociais, à medida que provoca uma organização natural do coletivo para enfrentar o poder do líder e das forças aliadas. A organização da horda, sem o concurso das lideranças, contra as figuras de poder e autoridade, representa um movimento que parte do inconsciente e se expressa na ruptura com a ordem instituída e na busca de uma organização alternativa. Na linguagem psicanalítica que interpreta as expressões do inconsciente, esse movimento de ruptura caracteriza o enfretamento do complexo de Édipo e a organização da horda com objetivo da morte do Pai.

Os organizadores que surgem pela necessidade de luta contra a liderança ocorrem nos assentamentos da reforma agrária com as seguintes manifestações:

  • o rompimento com a figura do patrão e a construção de um imaginário de liberdade e autonomia, de se tornar patrão de si mesmo;
  • resistência a formas de organização totalizadoras e onipotentes, organizadas de fora pra dentro, que reproduzam a dominação do antigo patrão;
  • resistência à massificação e investimento na formação de novas relações de poder no interior do assentamento;
  • explicitação das diferenças de segmentos das comunidades com os movimentos sociais procurando reafirmar a organização própria aos assentados.

Diante da fragilidade dos assentados e de sua organização interna, a onipresença e o poder dos movimentos sociais e de instituições como o INCRA e os bancos oficiais funcionam como uma grande força de pressão inibindo iniciativas e formas alternativas de organização autônoma, reeditando a dominação dos patrões e dificultando o desenvolvimento dos assentamentos como organizações autônomas.

Qualquer tipo de reunião que tem aqui que o presidente de associação convida, todos eles vem assistir. E o pessoal do INCRA também sempre vem fazer reunião, quando eles tem acordo com o pessoal, eles vem conversar e as 41 famílias participa também da reunião. (20, 5)

Não é porque eu sou o presidente da associação, mas… eu me comporto como um líder do movimento sem terra. (14, 2)

Não obstante, as queixas e reações contra as figuras de autoridades anteriormente representadas pelos patrões e hoje assumidas, sobretudo, pelos movimentos sociais, revelam uma evolução no sentido da diferenciação, quando os assentados tentam se entender como sujeitos, rompendo a dependência que tinham da fase massiva da luta pela terra, quando eram apenas extensão do movimento social, e a fase inicial de organização do assentamento, identificados com uma liderança cuja principal característica era a diferenciação, negando suas próprias individualidades.

De qualquer maneira aqui era feito escravo. Dia de domingo, ia cortar cana, embola cana no cacete, ajeita a cana, encostava o carro e ia. Hoje, o cara vai se quiser, a gente trabalha 2 dias, 3 dias se quiser. (60, 7)

Essa busca de autonomia nem sempre é entendida pelos movimentos sociais como crescimento da organização dos trabalhadores, gerando reações negativas de desmantelamento das resistências e retorno à massificação doutrinária, como forma permanente de organização, em detrimento da autonomia local, gerando passividade, isolamento e individualismo, como mecanismo de defesa, contra uma força onipotente.

Tem movimento que não quer que a associação seja autônoma, quer que seja submissa a ele porque (risos) pode manipular alguém. (63, 3)

Quando eu descobri o erro da cooperativa, então fizeram a bolinha lá e me tiraram, por quê? Porque eu tava dando em cima.  (42, 3)

Entretanto, essa busca de autonomia se expressa de maneira caótica, como observamos na maioria dos assentamentos, onde as lideranças locais ou ligadas aos movimentos sociais estavam sendo questionadas, sem que outra estrutura organizacional tivesse sido instalada. Um caos que tem o mérito de significar um rompimento com a dependência e o investimento na autonomia de um sujeito social.

Eles diz que é feliz, que hoje, eles são donos deles mesmos, hoje, eles não têm patrão, hoje, eles não são mandados, hoje, eles não mendiga um dia de serviço. (15, 20)

As pessoas têm o costume de querer as coisas de mão beijada, elas assim se viciaram em ter as coisas tudo na mão deles, assim eles não costumam dizer não ao presidente da associação; então ele tem que resolver todos os problemas. (30, 6)

3.3 Organizadores grupais

Quando um grupo social supera sua fase edipiana de contestação, encaminhando-se para uma forma de organização mais autônoma, constitui-se a partir de uma auto-referência, como um sujeito social que assume o controle e se apropria do seu processo de organização. Passa então a construir sua própria história em torno de organizadores grupais, isto é, organizadores que têm o grupo como dispositivo regulador.

Embora se tenham poucos registros dessa fase de organização autônoma nos assentamentos da reforma agrária (só em um dos assentamentos pesquisados pudemos identificar esse nível de organização), podemos constatar com maior ou menor ênfase em todos os assentamentos os seguintes indicadores da presença de organizadores grupais:

  • auto-imagens grupais positivas em alguns núcleos organizados dos assentamentos;
  • organizações autônomas de grupos de assentados, sem dependência de uma liderança específica;
  • organizações espontâneas e estimuladas de jovens em torno de projetos de futuro.

A pressão do tempo na luta contra a exclusão social e a miséria leva os movimentos sociais a privilegiar métodos de mobilização mais efetivos no curto prazo, aceitando orientações doutrinárias e massificadas, em detrimento da constituição de uma práxis que permitiria desenvolver maior consciência de si e um espírito crítico  mais aguçado, inclusive sobre as práticas do movimento social, aperfeiçoando sua organização e seus métodos. Neste sentido, quanto maiores e mais fortes forem os movimentos sociais no plano nacional e regional, mais frágeis serão as organizações autônomas dos assentamentos submetidos à sua coordenação.

Temos discutido muito com as pessoas que nós não precisamos de líder, nós precisamos de grupo, se tiver um grupo organizado que sabe o que quer nós conseguimos ir bastante pra frente, se nós tiver um líder que vai querer ser um líder messiânico ou seja um líder político aí nós não conseguimos muita coisa. (30, 6)

Apesar do individualismo denunciado genericamente em quase todos os assentamentos pesquisados e da desconfiança registrada nas histórias e experiências da grande maioria dos entrevistados, foram observadas, em estágio latente, tendências à organização autônoma de pequenos grupos no interior dos assentamentos que, se apoiadas de maneira adequada, por metodologias não diretivas, poderiam frutificar em benefício do fortalecimento da organização dos assentamentos.

Não temos líderes aqui, eu mesmo não sou um líder, nunca consegui ser líder assim, sou líder assim no sentido de se esforçar por falta de ter outro e a gente ter que assumir aquela tarefa, ser líder não é muito fácil. (30, 6)

Aqui ninguém tem chefe, ninguém que manda aqui, nem aqui… o probrema aqui é um por todos e todos por um. (26, 4)

Esses sintomas, por mais frágeis que possam parecer, podem ter significados importantes para a autonomia e para o desenvolvimento dos assentamentos. Isso se revela potencialmente promissor quando se articula com a organização política dos movimentos sociais e sindicais, com vistas à inclusão em redes políticas e econômicas que garantam, de um lado, um maior poder político dos assentados e, do outro, uma maior competitividade mercadológica dos assentamentos como núcleos de agricultores familiares.

4 A guisa de conclusões

Não há como se pretender tirar conclusões de um texto cujo conteúdo é fundamentalmente exploratório e que se propõe a ser apenas um ponto de partida para outras incursões que levem à construção de um conhecimento mais acurado sobre os processos das organizações sociais e, em particular, dos coletivos locais, das comunidades e grupos de vizinhança.

A pretensão maior das análises aqui expostas se limita à defesa de uma postura epistemológica que transcende os limites das visões reducionistas que consideram os processos organizacionais numa perspectiva meramente essencialista. Os processos sociais não podem ser abordados apenas pelas características consideradas intrínsecas aos indivíduos ou às formações sociais, ou ainda pelo seu lado meramente objetivo e racional, sem dar maior atenção aos aspectos subjetivos e freqüentemente inconscientes envolvidos. A nossa abordagem procurou ir além desses limites, considerando a complexidade das dinâmicas envolvidas, as contradições e complementaridades, os aspectos individuais, coletivos e institucionais que se articulam enquanto lógicas singulares a cada realidade. Isto tem repercussões do ponto de vista dos métodos de pesquisa, considerados os obstáculos epistemológicos de que nos fala Bachelard (1993), conforme foi citado no início deste artigo, sobretudo no que diz respeito a uma ruptura definitiva com as leituras do conhecimento unitário, das generalizações, das origens animistas ou substancialistas.

A coerência conceitual e teórica com relação à realidade empírica nos assentamentos e a possibilidade de sua expansão a outras realidades foram ressaltados em diversos debates sobre as conclusões da pesquisa realizados com outros pesquisadores, profissionais e militantes das causas sociais, cuja área de atuação estava tanto no meio rural como em ambientes urbanos.

Do ponto de vista prático, se há uma conclusão a tirar dessas análises, seria com relação às metodologias de intervenção e de organização das comunidades de base, particularmente no que diz respeito à dinâmica dos processos de mobilização social tendo em vista a sua eficiência, eficácia, efetividade e sustentabilidade.

Por um lado, esperamos ter deixado claro nas análises apresentadas que os organizadores instrumentais são bastante eficientes para arregimentar forças no curto prazo, tendo em vista, sobretudo, as lutas por objetivos e metas que possam ser percebidas com clareza pelos grupos sociais envolvidos. Neste caso os resultados têm um horizonte temporal que permite às pessoas visualizarem as vantagens na ponderação entre os custos e os benefícios do seu engajamento.

Por outro lado, os organizadores simbólicos, por se constituírem através de relações mais enraizadas na história das pessoas, parecem ter mais consistência e se demonstram mais efetivos para organizar e estabilizar projetos coletivos e consolidar arranjos organizacionais de caráter racional, contratos de convivência, articulação política e relações institucionais. Os processos organizacionais que têm como base esses organizadores são mais difíceis e mais longos para se desenvolver e para se consolidar do que os que se baseiam em organizadores instrumentais, mas demonstram mais eficiência e eficácia no médio prazo.

Finalmente, os organizadores imaginários se instalam em estágios diferenciados do desenvolvimento dos coletivos, em articulação com os demais organizadores. A diferença entre eles, os organizadores instrumentais e os simbólicos é fundamentalmente de profundidade. A forma como os coletivos sociais articulam o imaginário na sua organização, inicialmente através das lideranças, depois pela contestação dessas lideranças, até chegar a um estágio mais elevado de auto-regulação pelo grupo, depende de investimentos importantes no desenvolvimento do modo de organização para a constituição de sujeitos coletivos com autonomia e espírito crítico.

Enquanto as formas instrumentais de organização obedecem a uma lógica mais utilitária e os organizadores simbólicos se enraízam em formas mais tradicionais de reprodução de relações e modelos pré-existentes, os organizadores imaginários apontam numa direção onde as determinações sociais para o grupo e para os indivíduos precisam ser permanentemente construídas e reconstruídas, em negociações permanentes  que se fundam na consciência social e na autonomia coletiva[2]. Essas referências à consciência e à autonomia que estão na base da constituição e do desenvolvimento de sujeitos sociais são assim fundadoras da democracia local, do respeito à individualidade, sem cair no individualismo; da regulação pelo coletivo, sem os riscos da submissão incondicional à “vontade da maioria”, freqüentemente manipulada por grupos hegemônicos.

Para concluir, seria importante deixar claro que estamos convencidos da utilidade metodológica da análise dos processos comunitários através do estudo dos organizadores, assinalando ainda a articulação e a hierarquia entre eles que marca a evolução do processo democrático e do nível de autonomia individual e coletivo de uma comunidade. Isso vai de encontro à preocupação dos movimentos sociais de investirem cada vez mais em métodos consistentes de organização social, com mais autonomia local e sentimentos de pertencimento.

Consideramos que esse investimento parece encontrar seus limites na dificuldade de lidar com os organizadores mais complexos e, em particular, os organizadores imaginários, indispensáveis à formação de sujeitos sociais autônomos e com maior capacidade de luta.

A tendência tradicional de investir na formação de quadros e de lideres para a luta social funciona ao mesmo tempo como potencial e como limite da organização comunitária e da ampliação de lutas mais amplas para consolidar o processo democrático. Como potencial porque essas desenvolvem uma grande capacidade de mobilização política engajando grandes contingentes à luta social por terra, por teto. Limite porque o fortalecimento das suas posições de lideres diferenciados da maioria da população como condutores das lutas de interesses do coletivo, termina fragilizando a organização social pela dependência com relação ao líder.

Nesse contexto, basta ver como a contestação desses líderes nos assentamentos da reforma agrária, que poderia ser vista como um importante estágio da evolução da formação dos sujeitos sociais, é sempre vista pela liderança como uma reação negativa e desagregadora e, como tal, combatida em nome da harmonia. A evolução desses movimentos de contestação, vista de uma maneira mais dialética como conflitos criativos, permitiria a evolução dos coletivos até um estágio de maior autonomia, onde o grupo auto-regulado poderia instalar um processo de desenvolvimento mais consistente com os ideais preconizados pelos movimentos sociais.

À falta de um maior aprofundamento na análise desses processos, o desenvolvimento de estratégias e metodologias participativas fundadas numa evolução permanente do grupo como sujeito social seria um avanço importante, não apenas para o desenvolvimento das comunidades e grupos locais, mas com repercussões em todo o processo democrático.

Referências

ANZIEU, Didier. 1993. O grupo e o inconsciente: o imaginário grupal. Trad. Anette Fuks e Hélio Gurivitz. São Paulo. Casa do Psicólogo. 227 p. (1984).

BACHELARD, Gaston. 1993. La formation de l’esprit scientifique. Paris: Libraire Philosophique J. VRIN. 256 p. (1938).

BARUS-MICHEL, Jacqueline. 1987. Le sujet social: étude de psychologie sociale clinique. Paris: Dunod. 209 p.

CASTORIADIS, Cornélius. 1975. L‘institution imaginaire de la société. Paris: Éditions du Seuil. 498 p.

LOURAU, René. 1975. Análise institucional.  Trad. Mariano Pereira.  Petrópolis: Vozes. 289 p.

MATOS, Aécio. 2000. A dialética de formação e apropriação do capital social nos assentamentos da reforma agrária. Brasília: IICA-NEAD.

[1] Os textos em itálico são extratos do material empírico recolhido em depoimentos dos assentados com base nos quais foram elaboradas as análises da pesquisa. Eles são aqui apresentados em extratos selecionados  para permitir ao leitor um mínimo contato com o material empírico. É importante ressaltar que as análises não se basearam isoladamente nos extratos apresentados, mas no conjunto do material onde se expressam as contradições e complementação do discurso coletivo de 67 entrevistas individuais e coletivas. Guardamos a numeração no final de cada extrato de frase que informa o número de ordem da entrevista e o número da página da entrevista de onde foi  retirado.

[2] Os conceitos de autonomia e de consciência social compreendidos no sentido que é atribuído por CASTORIADIS (1975 ) se articulam com o conceito de sujeito social anteriormente tratado.

Crise Ambiental | Desigualdade | Educação | Formação | Sociedade e Informação

O compromisso central da mobilização e formação de liderança é com a autonomia do sujeito; uma autonomia, que se diferencia, ao mesmo tempo, do individualismo descomprometido com o social e da alienação do sujeito sob as determinações das estruturas instituídas

- Aécio Gomes de Matos

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