Em novembro de 2015, reuniu-se em Aldeia, região de florestas e áreas preservadas do Grande Recife, um grupo de intelectuais e empresários, um ex-governador de Pernambuco e atual senador e um ex-governador do distrito federal e ex-senador da república.

Eles tinham em comum uma trajetória de luta em defesa da democracia durante os anos do Regime Militar de 1964, no Brasil. Muitos deles, viveram no exílio. Outros, na juventude viveram, ainda estudantes, anos de prisão – julgados por tribunais militares.

O foco central desta reunião era, entretanto, como atuar contra a corrupção, um traço cultural das elites políticas e econômicas, endêmico e ameaçador, capaz de corroer a legitimidade de qualquer governo. A presidente era Dilma Rousseff (PT), que estava sendo investigada por malfeitos no orçamento. Paralelamente, deu-se início a Operação Lava Jato, que revelou o maior escândalo de corrupção do capitalismo moderno, capitaneado pelo PT e grandes grupos empresariais. A Lava Jato e a CPI das “pedaladas fiscais”, tocaram fogo na indignação do eleitor, levando milhões de pessoas às ruas, resultando no impeachment de Dilma Rousseff em agosto de 2016, assumindo seu vice, Michel Temer.

Durante todo este processo, o grupo, autodenominado “Grupo de Aldeia”, que mais tarde deu forma ao Movimento Ética e Democracia, não deixou de atuar, com manifestos, debates e pronunciamentos nos meios digitais, bem como na Câmara do Deputados e no Senado, por meio de políticos com ele identificados. O tema central foi sempre a estabilidade política; o avanço nas reformas econômicas capaz de levar o país a uma economia moderna e competitiva; e, a construção de políticas públicas voltadas à atenuação das seculares desigualdades sociais.

Tudo isto, com o aprofundamento da democracia no país, que desde o fim do regime autoritário em 1985, vinha apresentando relevante estabilidade política e institucional, até quando, em junho de 2013, manifestações de ruas emergiram como um sintoma de que um mal-estar maior ameaçava tal estabilidade: eram os primeiros sinais de que a radical polarização político-ideológica iria se impor na agenda política nacional.

A Operação Lava Jato desnudou um esquema de corrupção – implantando pelo PT, partido populista de esquerda no poder – que perpassava políticos de vários partidos. A Operação, embora movida por princípios republicanos, mas também capturada pelo conflito político-ideológico, desconstruiu a necessária confiança da sociedade civil em seus representantes. O pêndulo que vinha de um partido populista de esquerda no poder, pendeu abruptamente para perigoso extremo, o populismo de extrema-direita – esmagando o centro ideológico do sistema partidário, consolidando a polarização ideológica no país.

Assume o poder em janeiro de 2019, Jair Bolsonaro (PSL).

O pêndulo da irracionalidade, que representa o movimento do eleitorado estimulado pelas paixões, começava a provocar desestabilização do nosso Sistema Político. Bolsonaro traz consigo um grupo ideológico de extrema direita com valores antidemocráticos. Desde então, ele e seus seguidores vêm atacando a imprensa e as instituições democráticas, como o STF e outras, num jogo de incessante tensionamento das bases legais do Estado Democrático de Direito.

A exemplo de Trump e de outros líderes autoritários, compartilham estratégias e atitudes similares, sempre calcados em valores sensíveis a grande parte da população, como o nacionalismo, a discriminação e a intolerância contra imigrantes, valores culturais e religiosos. Tudo isto trabalhando com técnicas de análise de big data e disseminação de conteúdo, por meio das mídias sociais[1], dirigidos para disseminar o ódio, o medo e a intolerância fendendo a sociedade[2]. Com suas milícias digitais, conseguem alimentar, cotidianamente, a radicalização ideológica e a intolerância, que vão de encontro e corroem as árduas conquistas democráticas e civilizatórias da sociedade.

Esse fenômeno não é exclusivo do Brasil. O populismo autoritário vem emergindo, por força de várias circunstâncias, sendo exploradas com intensidade distintas em cada país. São exemplos: os fluxos migratórios, a corrupção endêmica, o temor da perda de privilégios com a economia em declínio, reação às políticas identitárias, e rápida mudança dos costumes e valores. Há, entre os jovens, a não valorização da democracia por não terem vividos, como as gerações que os antecederam, os períodos de regimes autoritários.

[1] DE EMPOLI, Giuliano. Os Engenheiros do Caos. Ed Vestígio. 2019

[2] APPLEBAUM, Anne. O Crepúsculo da Democracia: como o autoritarismo seduz e as amizades são desfeitas em nome da Política. Ed. Record. 2021