Diante da pobreza do debate político, ausência de argumentos e de racionalidade na formulação de propostas e programas de governo, resta a Jair Bolsonaro apelar para os sentimentos religiosos dos brasileiros. Na disputa pelo voto dos evangélicos, a campanha de Bolsonaro empobrece a política, contamina a discussão política sobre temas fundamentais para o desenvolvimento do Brasil com manifestações religiosas e com a descarada manipulação da paixão religiosa dos brasileiros. A política desperta paixões, é verdade, mas requer o recurso da razão para organizar os interesses e analisar a realidade, para alimentar a negociação das divergências e, mais ainda, para orientar as decisões sobre as ações e o futuro da nação. A política é o espaço da negociação de interesses e de tomada de decisões sobre o destino do país, decisões que não podem ser inspiradas em emoções e paixões religiosas, e que devem ser mediadas pela racionalidade. Mas Bolsonaro é inimigo da razão, despreza a ciência, ignora os fatos e se alimenta da mentira. E, como vive do conflito e do confronto, prescinde completamente de racionalidade. Por isso, na medida em que se aproxima o segundo turno das eleições, ele intensifica os discursos e sinalizações religiosas, repletas de calúnias, visitas a igrejas e cerimônias religiosas cristãs.
Na mesma semana, ele assistiu ao Círio de Nazaré, em Belém, apesar de o bispo ter afirmado que se tratava de um evento religioso e não político, e foi à cerimônia de Nossa Senhora Aparecida, provocando tumulto político durante e após as missas. No sermão, o Arcebispo de Aparecida, D. Orlando Brandes, reclamou do ódio e da mentira que vêm predominando nas disputas políticas, numa alusão nada sutil ao comportamento do presidente da República, que contamina também o ambiente religioso. O Brasil precisava vencer o dragão do ódio, o dragão da mentira, o dragão do desemprego e da fome. E, em nota, a CNBB-Conferência Nacional dos Bispos do Brasil condenou o uso da religião como forma de angariar votos, que, embora seja uma prática antiga, está sendo levado às últimas consequências pelo bolsonarismo. Ao mesmo tempo em que contamina a política com a fé religiosa, o comportamento de Bolsonaro politiza as religiões, leva para o seio das igrejas e comunidades religiosas a disputa política e, mais ainda, o confronto eleitoral. Tudo isso num país cuja Constituição declara o Estado laico, e explicita a ampla liberdade religiosa, situando a religião no terreno das escolhas e convicções pessoais.
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