Jacques Schwarzstein
No último dia 28 de agosto, em Vitória da Conquista, falando em um palanque de campanha, Jair Bolsonaro, nos brindou com a seguinte pérola: “…O que é a extrema pobreza? É você ganhar até 1,9 dólares por dia. Isso dá R$ 10. O Auxílio Brasil são R$ 20 por dia. Então, quem porventura está no mapa da fome, pode se cadastrar e vai receber. Não tem fila. São 20 milhões de famílias que ganham isso”. Durante o debate na Band, dias mais tarde, afirmou também que terminaríamos o ano com uma taxa de pobreza extrema inferior à de 2019.
Se aceitarmos, como ele, a definição de extrema pobreza criada pelo Banco Mundial, que posiciona em R$ 300,00/mês a linha abstrata e imaginária que separa a extrema pobreza da “simples” pobreza, é mesmo bem possível que venhamos a encerrar 2022 com uma taxa de pobreza extrema inferior à de 2019. O que terá acontecido? Foi a economia que cresceu, gerando uma riqueza que foi bem distribuída? Claro que não! Ao que se deve então o falso milagre? Na frieza dos números, ele acontece por conta dos R$ 600,00 do Auxílio Brasil, mas o que cabe perguntar agora é se a linha de extrema pobreza utilizada revela, de fato, o que está acontecendo com a pobreza no país?
Será correto aceitar a ideia de queda da taxa de pobreza, se o valor atual da cesta básica para três pessoas (dois adultos e uma criança) calculado pelo DIEESE é de mais ou menos R$ 600,00, variando de um estado para o outro? A nosso ver, não! Uma simples cesta básica não tira ninguém da miséria. Não negamos a importância dos estudos estatísticos e de indicadores universais que permitem fazer comparações entre países, estados e municípios, mas sabemos que eles não têm como espelhar toda a complexidade de nossa realidade. A pobreza, no Brasil, é estrutural e persistente. Tem muitas outras dimensões, além da renda.
A miséria nos parece ser o sintoma de uma doença social. Não é a doença em si. É apenas o sintoma que, uma vez identificado, pede exames complementares, como na medicina de hoje. Precisamos ir fundo em nossas análises, para identificar quais são as funções do organismo social que operam de modo deficiente e pedem intervenções restauradoras, para que as pessoas possam ser criativas e produtivas e, assim, contribuir para o crescimento econômico.
Temos o racismo estrutural, o patrimonialismo, a concentração de renda e tudo isso contribuí para a miséria, mas, se queremos ter crescimento é preciso fazer os investimentos corretos para enfrentar diretamente a pobreza. O Brasil tem como fazer isso. A economia dificilmente crescerá enquanto a miséria persistir e há hoje, entre os especialistas, um amplo acordo sobre isso. A melhoria da educação é estratégica, mas crianças que vivem em moradia precária, em situação de insegurança alimentar, sem saneamento básico, filhos e filhas de pais de baixa escolaridade, assistidas por uma unidade de saúde que não consegue lhes garantir atenção adequada, em área de muita violência e sem acesso à uma internet de qualidade e a bens culturais, constituem um enorme desafio para qualquer sistema educacional. E não podemos nos iludir. Não é de um dia para outro que nossas escolas públicas irão dar conta de superar este desafio. Poucos serão os alunos desta geração que conseguirão conquistar a mobilidade social da qual dependem, tanto elas quanto suas famílias, para sair da miséria. Nem mesmo se seus grupos familiares receberem um aporte monetário mensal como o garantido pelos programas de distribuição de renda, que só fizeram crescer desde a primeira década deste século, quando foram criados. O número de pessoas que se beneficiam desses programas cresceu em 500%, desde 2002, quando o que se deveria esperar, se eles tivessem realmente a faculdade de reduzir a pobreza de modo sustentado, era que houvessem diminuído com o tempo. Afinal, já se vão 20 anos e é bem verdade que a pobreza teria sido maior sem a complementação de renda, mas é verdade também que a complementação está longe de garantir sua superação sustentada.
FONTE: Ministério do Desenvolvimento Social
O debate é complexo e envolve muitos interesses conflitantes, mas os governos que serão eleitos em outubro estão sendo desafiados a e implementar políticas, programas e projetos que sirvam, de fato, para acabar, de maneira sustentada e definitiva, com a miséria. A estatística é uma coisa, a vida do dia a dia é outra. É preciso trabalhar seriamente para se construir uma definição de pobreza mais próxima do mundo como ele é. O fator renda não dá conta, por si só, das múltiplas dimensões da pobreza. Pobreza extrema é muito mais que fome e falta de dinheiro e não podemos mais esperar por um crescimento econômico que não vem. Nossas taxas de crescimento do PIB têm sido, nos últimos anos, insuficientes para garantir o desenvolvimento sustentado do país. (Ênfase no “sustentado”).
(*) Jacques Schwarzstein é jornalista e Co-Fundador do Pacto Brasil Sem Pobreza
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P.S Artigo originalmente publicado na Revista Será?
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