Podemos eliminar a hipótese de uma nova tentativa de assalto ao STF e/ou ao Congresso. Este era o script para as manifestações do ano passado e que deram um enorme xabu. Depois daqueles eventos Bolsonaro vem aplicando a estratégia que eu apelidei de “bola ou búlica” em artigo anterior. Por um lado, ele aposta em ganhar as eleições com base na derrama de dinheiro, nas fakenews e na violência. Por outro lado, ele mantém sua tropa de choque em estado permanente de efervescência, preparando a virada da mesa institucional se a primeira opção não der certo.

O fracasso do ano passado levou Bolsonaro a esta nova abordagem com vistas a salvar a sua pele e a da família. Os novos aliados de Bolsonaro depois do 7/9/2021, os mandachuvas do Centrão, não só o salvaram do impeachment como lhe apresentaram um caminho para ganhar as eleições: a derrama de recursos, já perto ou acima de 100 bilhões de reais, usados com a mais espetacular desfaçatez neste ano eleitoral.

Bolsonaro sabe que as chances de virar o jogo eleitoral e derrotar o Lula são limitadas, mas ele aposta em ir para o segundo turno (o que parece já ter conseguido) e estreitar a diferença na derrota. Isto, combinado com a campanha “por eleições limpas” e a permanente agressão daquilo que ele chama de “seu exército” (leia-se o ministro da Defesa) ao TSE, facilitaria um golpe parlamentar e a anulação do pleito.

Esta estratégia tem alguns problemas para Bolsonaro. Ele tem que dosar as provocações e a incitação à violência até o segundo turno para que o caldo não entorne antes da hora e se volte contra ele na hora de o eleitorado escolher em quem votar. Por outro lado, uma vez eleitos os deputados e senadores, fica mais complicado apelar para a anulação das eleições. Partir para uma violência desenfreada em outubro, através de seus milicianos organizados nos clubes de tiro, e pelas intervenções brutais de seus aliados nas polícias militares, pode gerar o clima de instabilidade que daria pretexto para um pedido de Estado de Sítio, mas se o Centrão sair triunfante do primeiro turno vai ser necessária uma ameaça pesada da “generalada” para que os urubus da república se resolvam a zerar o jogo. No caso de uma ampla derrota do Centrão a tentação seria muito maior.

Por enquanto, o Centrão conseguiu atrair Bolsonaro para sua estratégia. E, neste quadro, o presidente tem que se manter jogando nas quatro linhas, como ele gosta de dizer. Não é um jogo limpo, longe disso, mas é um jogo eleitoral em primeiro lugar. Deixar para melar o jogo depois do primeiro turno vai exigir cuidadosas avaliações ao longo deste interminável mês de setembro. E isto depende de um personagem que é tudo, menos cerebral.

Tudo isto nos leva a esperar do 7/9 algo mais para ensaio geral e teste da capacidade de mobilização do presidente do que para uma tentativa de provocação com desenlace imediato. Bolsonaro ensaiou convocar um misto de desfile militar com comício popular no mesmo espaço, mas esbarrou com resistências das próprias forças armadas. Não vai haver desfile com militares envolvidos por manifestantes urrando pelo golpe. Agora serão militares voando e navegando, longe do gado, e simbólicas bandas de música do corpo de fuzileiros navais e da polícia militar no corpo a corpo com os manifestantes.

Podemos esperar discursos pondo as eleições em cheque, dependendo da “limpeza do processo”. Podemos esperar um tom de exasperação nas denúncias do que ele chama de “ameaças à democracia”, ou seja, a possiblidade de uma vitória dos “comunistas”, dos “inimigos de Deus”, do “mal contra o bem”. Ele deve elevar o nível de terrorismo verbal para excitar sua base e levá-la a um paroxismo de pavor/ódio que reforce o seu voto e, ao mesmo tempo, a prepare para apoiar a virada da mesa mais adiante. Mas não deve passar disso. Se ele não perder a cabeça e partir para agressões ao TSE que recoloquem em causa o seu afastamento, o desenlace da crise vai ficar pendente.

Há várias coisas que podem ajudar a desarmar as ameaças de Bolsonaro. Uma delas é a sua exposição nas mídias convencionais e nas virtuais com as denúncias de corrupção que estão vindo à tona. Por mais que os seus fanáticos apoiadores estejam preparados para ignorar as evidências da corrupção do presidente, de sua família e de seu governo, uma parte importante do eleitorado não vai ficar imune à desconfiança de que andou votando em gato por lebre e é capaz de se voltar para Ciro ou Tebet, ou anular o voto.

Por outro lado, se a economia está, artificialmente, em um sobressalto de melhora, os efeitos não estão chegando para os mais pobres, em particular os 65 milhões que estão passando fome ou comendo muito mal. A inflação dos alimentos é a pedra no sapato na estratégia de Bolsonaro e do Centrão e não há rebaixa nos preços da gasolina que dê conta disso.

Finalmente, se Lula conseguir centrar sua campanha no tema da fome e apresentar uma proposta mais consistente do que a “volta ao passado” ou a promessa de manter os 600,00 reais da ajuda no ano que vem, há um potencial de retomada da vantagem que já foi sua há uns poucos meses. Infelizmente, a campanha de Lula, até agora, não aproveitou a oportunidade única de lançar um projeto de Fome Zero abrangente e consistente. O ex-presidente precisa colocar o tema no centro da sua propaganda e apelar para uma ampla mobilização da sociedade, em cooperação com o Estado, visando enfrentar esta calamidade. Ficar discutindo quem roubou mais com Bolsonaro não é uma boa tática eleitoral, pois o telhado de vidro de ambos é percebido pela parte do eleitorado que não está cega pelas narrativas desenxabidas de um e de outro. É preciso mudar o foco da campanha e se manter nele coerentemente até o fim.

P.S Artigo originalmente publicado na Revista Será?

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