O desfile de 7 de setembro dos 200 anos de independência não foi o desfile dos 200 anos. Houve um sequestro. E os sequestradores, talvez por inépcia, cobraram o que já tínhamos pago: dinheiro do contribuinte.

A estética do desfile foi inédita. Olhado à distância, o desfile parecia uma obra impressionista. Mas nada lembrava Renoir. Olhado mais de perto, o desfile pareceu uma obra abstrata. Mas nenhum traço de Jackson Pollock. De outro ângulo, tentava-se notar sinal de arte cubista. Não. Nada de Pablo Picasso. Será que foi adotada estética modernista, antropofágica, enraizada no movimento de 22, já que se trata de celebração nacional? Também não. Porque nada indicava estilo de Tarsila do Amaral.

Resta uma alternativa: o desfile foi uma obra surreal. De surrealismo político. Caboclo.

Por três razões: primeira, o desfile desfigurou o caráter cívico, militar, como sói acontecer. Foi substituído por evento eleitoral. Infringindo a lei. O orador não pronunciou uma única vez a palavra independência. Analfabetismo histórico?

Segunda razão, o conhecido machismo foi reiterado por palavreado chulo.

Incompreensível numa solenidade oficial. Em cena impensável para solenidade daquela natureza. Certamente foi a primeira e última vez que uma autoridade arranca um beijo em público no palanque da Esplanada.

Terceira razão, o isolamento político e institucional do chefe de Estado. Não compareceram ao desfile os presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal. Sequer o Procurador Geral da República. Ou seja, o presidente encontrou uma solidão de três desertos, como dizia Nelson Rodrigues.

O balanço do episódio anota dois invernos e uma primavera. O inverno bolsonarista de quem findou a estratégia de campanha. Acabou. O 7 de setembro, que virara ameaça, esgotou-se em si. A não ser faixas de ofensas de extremistas que desaparecerão. No fim do mandato. Por falta de amparo subterrâneo.

E o inverno institucional de abuso de poder. O que se viu, hoje, não foi uma cena de arlequins da Commedia dell’arte. Embora lá estivesse, ao menos, um pierrô proclamando um verde de espalhafato. O que se viu foi ato de abuso de poder. Capitulado, à luz de uma tarde carioca, na Constituição.

A primavera política é redescoberta de brasileiros por brasileiros. Após breve exílio, em suas casas. Pois parte da população não foi convidada para ir à praça. Para ser comensal na festa de 7 de setembro. A parte mais numerosa.

A primavera política é recusa de mediocridade. Política. Resistimos na ciência, na literatura, na música. No SUS, nas salas de aula. Só não tivemos força na política. Assaltada por orçamento secreto. Alimentado por silêncio parlamentar de conivência. Com uma exceção: a palavra calma e firme que vem das montanhas de Minas, chamada Rodrigo Pacheco.

E viva o Museu do Ipiranga! Celebração singular da Independência. Honrando a tradição republicana dos combatentes de 9 de julho 32. Tão paulista e tão brasileira.

P.S Artigo originalmente publicado na Revista Será?

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