Domingo próximo é dia de eleição. E vale a pena refletir sobre nossa identidade. A resposta é que somos o que somos, um Brasil profundamente desigual. Sem que, desde a colonização, tenhamos verdadeiramente nos esforçados por integrar, os socialmente excluídos, a um consumo pelo menos decente. Nosso passado resulta das opções equivocadas que fizemos. De enriquecer as elites, em vez de apostar no conhecimento. De concentrar renda, em vez de criar mercado. De pretender apenas democracia formal, em vez de também menos distâncias econômicas. De repartir a nação em corporações, em vez de pensar no coletivo. De cultivar certezas, em vez de buscar convergências. Tudo levando a essa contradição cruel de ser, ao mesmo tempo, modernos e atrasados, ricos e carentes, auto-suficientes e limitados, ambiciosos e conformados.

Deitados em berço esplêndido, por tempo demais acalentamos a crença paralisante num fatalismo histórico que nos converteria, sem maiores esforços, em grande potência. Mas conseguimos apenas ver parte do país crescentemente integrado à economia e à cultura do primeiro mundo, em uma como que ética de sujeição; enquanto outra tenta escapar da fome, em uma como que ética de sobrevivência. Incapazes de perceber que só copiando experiências e padrões dos países ricos, conseguiremos apenas ser mais limitados, mais atrasados, mais dependentes e mais tristes que eles. Semelhantes nas aparências, devemos provar que ainda somos capazes de nos indignar. De assumir compromissos. Apostando, nessa trajetória, que a confiança vença o medo, a razão vença o preconceito, a luz do sol vença o desalento das sombras.

Para complicar, num cenário de crises superpostas, o discurso político tradicional parece obsoleto. Eleitores já não se consideram representados pelos eleitos. O que dizem não é o que deveríamos ouvir. O que fazem não é o que precisamos ver. O que prometem é só um prenúncio de catástrofes. E há, também, uma crise nas relações. Com esgotamento, hoje, de certas práticas sociais, reduzindo a coesão que deveria permear nosso povo. Só para lembrar, n’O alienista, Machado de Assis relata que Simão Bacamarte internou 4/5 da população de Itaguaí na Casa Verde, até que ele próprio findou seus dias naquele hospital psiquiátrico. Não queremos isso. Intransigentes com os diferentes, nos últimos tempos somos generosos só com quem pensa como nós. Quase todas as expectativas de antes viraram pó. As relações pessoais se dissolvem, como gelatina, em um discurso de rancores. É de ódio que falo, amigos. Há dois Brasis apartados. Num Discurso da Abolição, pronunciado na Câmara dos Comuns da Inglaterra (em 1789), disse William Wilberforce “Não apelo às vossas paixões – peço apenas à vossa razão fria e imparcial”. Problema é que isso, entre nós, parece cada vez mais distante. Há um rio que separa os brasileiros. E é preciso remar ao contrário desse rio, acompanhando Luiz Gonzaga, já a partir de domingo, para chegar ao Riacho do Navio de nosso futuro redentor.

 

P.S Artigo originalmente publicado na Revista Será?

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