Luiz Otávio Cavalcanti
O então candidato Jair Bolsonaro dizia vestir-se de liberal. O agora presidente Jair Bolsonaro não comprova o discurso do candidato. Encerrada a entrevista ao JN, vou à estante buscar o liberalismo por ele mencionado.
Procuro o liberalismo ontológico de Raymond Aron. Nada das ideias do presidente. Busco o liberalismo democrático de Norberto Bobbio. Nada das ideias do presidente. Leio o liberalismo de Karl Popper. Nada. Penetro no liberalismo de John Dewey. Nada. Alcanço o liberalismo de John Rawls. Nadíssima de nada.
Com paciente tolerância, vou aos comentários de José Guilherme Merquior. Os ingleses falam em autonomia civil. Os franceses mencionam autogoverno. Os alemães acentuam autorrealização. Das ideias do presidente, nada.
Sigo a trilha de Celso Lafer. No encontro entre o contratualismo de John Locke e o constitucionalismo de Montesquieu. Nada. E não encontro por uma razão simples: o liberalismo do presidente só existe na ficção de seu universo particular. Vestido de fatiota autocrática. Que não oculta repetidas ameaças. “Passo o governo se a eleição for limpa”. Quem o diz não é a imprecação do dia. Quem o diz é o Tribunal Superior Eleitoral – TSE.
Um balanço da entrevista, para além da máscara liberal, mostra escombros. Cinzas. Desconstrução institucional.
Na educação, cinco ministros que não valem uma edição de livro de Anísio Teixeira. Fora investigação de improbidade administrativa.
Na saúde, quatro ministros incapazes de impedir a morte de mais de 680 mil brasileiros. Fora a falta de compaixão e a tentativa de associar o vírus a outras doenças.
No meio ambiente, as queimadas atingem recordes de fogo alimentado por bandidos, que estão folgadamente à solta por um IBAMA amputado de suas funções.
Um balanço da entrevista mostra cicatrizes. De um povo maltratado. No qual 60% sofre de insegurança alimentar leve, média e grave.
Um balanço da entrevista deixa cicatrizes. De um país mal gerido. No qual a cultura do fazer bem feito, planejado, avaliado, do Plano Salte (1946), do Plano de Metas (1955), do Plano Trienal (1963), do PAEG (1967), do PND (1975), do Plano Real (1994), tudo foi esquecido. Toda uma memória institucional de pensar a longo prazo. Com estratégias e metas definidas.
Mas, um balanço da entrevista da entrevista acende a esperança. Da nação indignada com o ar distraído de passeios no descompromisso. A nação está pronta para votar. E voltar a ser a nação da dignidade. Barbosa Lima Sobrinho, Sobral Pinto, Raymundo Faoro. Vivos!
Como disse Fernando Savater: “A maior vantagem que podemos obter de nossos semelhantes não é a posse de mais coisas, mas o afeto de mais seres livres”.
P.S Artigo originalmente publicado na Revista Será?
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