Elimar Pinheiro do Nascimento
O título é uma homenagem a André Gorz que escreveu um livro famoso denominado Adeus ao Proletariado. E, também, uma provocação ao meu amigo Sérgio Buarque, uma das boas inteligências desse País.
Não quero dizer que a noção de desenvolvimento, conforme nasceu ao final da Grande Guerra com o discurso do 33o presidente dos Estados Unidos, Harry Truman, e a cartilha de seu ideólogo, W.W. Rostow (As etapas do crescimento econômico), já tenha se extinguido, mas que está em um caminho acelerado, e nem sua variação mais charmosa e moderna, o desenvolvimento sustentável, poderá salvar. Simplesmente porque ele contém, necessariamente, a ideia de crescimento econômico, do ponto de vista material e, portanto, de uso de mais energia fóssil (o mundo não irá dispensá-la, a continuar o domínio das forças atualmente hegemônicas, em menos de 30 anos) e de mais recursos naturais, destruindo os ecossistemas existentes. O planeta, finito, não tem condições de suportar este crescimento contínuo indefinidamente, por mais que modifiquemos as tecnologias hoje existentes. No qual, aparentemente, o ciclo inventivo se encerrou.
Não estamos aguardando as consequências desse uso irracional da natureza, estamos vivendo-as. A partir de 2011 cerca de um milhão de refugiados sírios foram despejados na Europa por uma guerra civil inflamada pela seca. As migrações ecológicas serão uma constante, crescentes, neste século.
Assistimos, hoje, ao colapso das calotas polares, para simplificar, com três consequências graves: a) redução dos gelos que refletem o calor, e amenizam a temperatura na terra; b) elevação do nível do mar, que irá naufragar diversas cidades costeiras, Recife inclusive e, c) liberação de metano proveniente do permafost. Eventos que deverão se retroalimentar e ampliar o aquecimento global. É o que Timothy Morton chama de hiperobjeto., algo tão complexo que mal conseguimos entender. Como a internet. Pesquisadores de 26 laboratórios internacionais, concluíram que entre 1992 e 2011 as calotas polares da Antártida e da Groenlândia perderam 1.320 e 2.940 bilhões de toneladas de massa de gelo, respectivamente.
Eventos climáticos críticos aumentam a cada ano: três grandes furacões se formaram ao mesmo tempo sobre o Atlântico em 2017, fenômeno nunca visto; neste mesmo verão 45 milhões de pessoas no sul da Ásia tiveram que deixar suas casas inundadas. Chuvas bíblicas no Japão, em 2018, obrigaram a 1,2 milhão de pessoas deixarem suas casas; o tufão Mangkhut forçou a evacuação de 2,4 milhões de pessoas na China; o estado de Kerala na Índia foi atingido pelas piores inundações em 100 anos; incêndios se sucedem em várias partes do mundo, no sul dos EEUU, da Europa e na Amazônia. Pequenos exemplos.
Desde 1980, o planeta assistiu a um crescimento de cinquenta vezes na quantidade de ondas de calor. Neste século, sucessivas ondas de calor mataram milhares de pessoas, sobretudo idosos, e sucessivos recordes de temperatura foram alcançados. Atualmente, há 1 bilhão de pessoas sob risco de stress por causa do calor; cerca de 354 grandes cidades têm temperaturas superior a 35 graus.
Cresce também o acúmulo de gases de efeito estufa. Em 2017 as emissões de carbono cresceram 1,4%, depois de uma estagnação de um par de anos. A energia a carvão quase dobrou desde 2000.
A perda de cobertura vegetal, de terras agriculturáveis e da biodiversidade somam-se ao aumento da deflorestação e das zonas mortas do oceano. Nos últimos cinquenta anos, a quantidade de água marinha sem oxigênio algum quadruplicou em todo o globo, com perda da vida oceânicas. Por esta razão, somado a sobrepesca, o estoque de pescados já diminuiu nos últimos anos em cerca de 20%.
Para não bastar, estamos destruindo as poucas quantidades de água doce existentes na superfície terrestre. Mais de 2 bilhões de pessoas não têm acesso a água potável. Nos últimos anos, muitos dos maiores lagos do mundo começaram a secar: o mar de Aral (Ásia Central) perdeu perto de 90% de seu volume de água; o lago Popoó, o segundo da Bolívia, desapareceu por completo; algo próximo ocorreu com o lago Chad (África), pois em 1963 sua extensão era de 25 000 km2 e em 2008, 2.500; o lago Urmia, no Irã, perdeu cerca de 80% de seu volume de água nos últimos trinta anos. Mas, os humanos são insaciáveis na sua façanha destruidora. Segundo Brian Clark Howard, um quinto da água potável dos americanos provém de aquíferos. Rios subterrâneos que levaram milhares de anos para se formar e que arriscam acabar em algumas décadas.
Riplle et all (2018)[1] selecionaram e examinaram nove indicadores ambientais entre 1960 e 2016, com ênfase entre 1992 e 2016 a) emissão de gases destruidores da camada de ozônio; b) volume de água potável per capita; c) captura de pescado marinho; d) zonas mortas no oceano; e) cobertura florestal; f) abundância de espécies de vertebrados; g) emissão de CO2; h) mudança climática e i) população de humanos e bovinos. Apenas no primeiro caso fomos vencedores, os outros apenas pioraram. Em resumo, desde que surgiu a ideia de desenvolvimento sustentável nos anos 1970, os indicadores ambientais apenas pioraram, apesar dos avanços técnicos. Nada garante que novos avanços técnicos produzam mudanças substantivas, afinal, cerca de 120 milhões de pessoas por ano deixam o mundo da pobreza demandando mais bens e serviços modernos, aumentando o consumo. Bens e serviços a que eles têm direito como qualquer outro ser humano.
Estamos produzindo uma herança perversa para nossos filhos e netos, sobretudo aqueles que nascidos em 2000, no século XX, irão viver até o século XXII. A geração centenária. Por isso, a dinâmica do crescimento econômico contínuo não pode continuar. Os tecnicistas acreditam que as novas tecnologias mudarão este quadro substancialmente. Não o fizeram até agora, nem parece que o farão nas próximas décadas. Sucessivas batalhas estão sendo perdidas.
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Ao chegar em Barcelona para o segundo congresso internacional do Decrescimento, 2010, uma das primeiras coisas que fiz, no segundo dia, foi me aproximar dos dirigentes conhecidos e perguntar-lhes porque haviam escolhido um nome tão antipático para batizar um movimento tão simpático (no congresso as pessoas eram limpas, saudáveis, simples, cooperativas e gentis). Para que o establishment não se apropriasse do nome como fez com o desenvolvimento sustentável, responderam-me quase unanimemente. Latouche acrescentou que o nome havia sido escolhido também para destacar a denúncia que eles faziam da ideologia do crescimento, a única verdadeira ideologia do século XX, nascida no XIX e adentrando o XXI.
Acho que eles nunca escutaram Buckminster Fuller que dizia, frequentemente, que não se mudam as coisas combatendo a realidade existente, é preferível construir um modelo novo, que torne o existente obsoleto. Não sei como pode ser feito em termos de mudança de padrão de produção e consumo, ponto comum da crítica que Sérgio Buarque fez ao meu texto despretensioso sobre algumas ideias a respeito da origem do Decrescimento, publicado aqui no Será?, 2/10/2020. E que teve sequência nos textos de nossos mestres Cristovam Buarque e Clóvis Cavalcanti, o primeiro solicitando que nos desprendamos da prisão da economia e dos velhos conceitos, e o segundo, chamando atenção para outras formas de mensurar o desenvolvimento, afirmando, com Herman Daly, que o crescimento econômico não pode ser sustentável, e que o desenvolvimento sustentável deve focar na melhoria da qualidade de vida das pessoas, respeitando a capacidade de resiliência dos ecossistemas. Um baita problema.
Abrindo um parêntese, a trilogia do Desenvolvimento Sustentável do Sérgio foi cunhada distintamente da do Clóvis, que também defende esta concepção que surge, não nos anos 1990, mas ainda nos anos 1970, sob a cunha de ecodesenvolvimento, conforme Ignacy Sachs, pois ao lado da equidade social e conservação ambiental é preferível escrever ecoeficiência econômica, e não crescimento econômico como fez Sérgio. Talvez, resultado de um descuido.
Mas, em várias partes do mundo, sobretudo nos países desenvolvidos, homens e mulheres se organizam para viver diferente, produzir comida sem agrotóxicos e reduzir o consumo cotidiano.[2] Querem mudar o mundo, sem estatização. O modelo chinês não os atrai, menos ainda o antigo e fracassado soviético. Tendendo mais para o anarquismo, preferem a autogestão. Esses tipos de movimentos não são de hoje, mas não sabemos se terão os mesmos destinos de seus anteriores, dos anos 1960, que se desfizeram pouco a pouco.
O Decrescimento nasce no contexto do pós-desenvolvimentismo, que reúne movimentos de origens e características diversas que têm em comum a recusa do modelo vigente – um ponto comum dos artigos em debate – e a busca por um modelo distinto. Todos conscientes de que o crescimento econômico contínuo, em um espaço finito, é insustentável a longo prazo. Quão longo? Um século? Meio?
Kate Raworth, uma das economistas mais escutadas hoje em dia, tentou desenhar uma proposta ao modelo socioeconômico vigente, entre outros, em seu livro – Economia Donut. Uma alternativa ao crescimento a qualquer custo. Ela sugere algo parecido com o que Cristovam Buarque já sugeriu há algum tempo: definir, simultaneamente, uma linha de vida digna e uma linha ecológica de consumo. Com isso, nos liberta da prisão da renda, que o Sérgio aparentemente não conseguiu fugir completamente. A melhoria da qualidade de vida não passa necessariamente pelo aumento da renda pessoal, basta ampliar o acesso a serviços de qualidade que são indispensáveis a uma vida digna, como saúde, educação, transporte, habitação etc. Bens públicos, não confundir com estatal, que podem mudar radicalmente a qualidade de vida das pessoas.[3]
Alberto Acosta retoma a expressão dos povos das cordilheiras dos Andes, pré-incas, para atualizar o Sumak Kawsay, dos povos quíchua, sob a forma de Buen Vivir ou Bem Viver, uma forma de vida em comunidade e em harmonia com a natureza. Uma proposta de construir uma alternativa ao modelo vigente enfatizando o valor da autoprodução e das trocas locais, da valorização das relações afetivas, e que levou o Equador e a Bolívia a reconhecerem a natureza como sujeito de direito. Inspirados nesses princípios dissemina-se no mundo a ideia de economia circular, prolongando o ciclo de vida das mercadorias ao invés de jogar no lixo.
Nasce e cresce nesse mesmo contexto pós-desenvolvimentista o convivialismo de Alain Caillé e parceiros que recentemente lançaram seu segundo manifesto[4]. Trata-se de uma filosofia política centrada nos princípios da dependência do humano da natureza e de sua interdependência mútua, reconhecendo suas diferenças e divergências que devem se manifestar um uma vida democrática alimentando o bem comum, sob o imperativo do controle do hubris (arrogância).
É no contexto dessas, e muitas outras alternativas, que nasce a ideia do Decrescimento, de forma menos idealista e filosófica, inicialmente sob forma da revolução dos sete Rs.
– Reduzir o consumo, ao que é efetivamente essencial para uma vida digna, extinguindo todo consumo ostentatório, sobretudo nas camadas mais ricas.
– Reutilizar os produtos e bens, prolongando seus ciclos de vida, inspirada nos princípios da economia circular.
– Reciclar todo o material possível para economizar recursos naturais, e produzir tendo presente tanto a reutilização quanto a reciclagem.
– Relocalizar, valorizando os produtos locais, para reduzir seu transporte, a emissão de gases de efeito estufa e fortalecer as economias locais.
– Reconceitualizar as formas de produção e de consumo, e o estilo de vida, sob novos valores (a economia nada mais é do que uma atividade para criar as condições em que os humanos podem ser mais felizes).
– Redistribuir as riquezas produzidas para se ter uma maior equidade social, assegurando assim uma vida digna para todos os seres humanos.
– Reestruturar os padrões de produção, para se obter os bens minimamente necessários a uma vida digna, sem extinguir o poder de reprodução dos ecossistemas.
Todas essas ideias, mesmo a do Decrescimento, que nascem no contexto do pós-desenvolvimentismo, são eivadas de pouca praticidade, com estratégias muito locais, ao que se opõem alguns “pensadores decrescentistas”. E não é tolo se perguntar se têm chance de vingar, sobretudo se ficarem restritas a pequenas iniciativas e ao quadro nacional. Giorgos Kallis em entrevista a Marcio Lino de Almeida a ser publicada na revista REALIS de 2021 declara que “Fazer isso implicaria em penalidades substanciais por fuga de capitais, colapso de bancos e moedas, desvalorizações de ativos, colapso de instituições públicas e de segurança e isolamento político”. Em um mundo globalizado é impossível um país caminhar para o decrescimento sozinho, esta é uma tarefa global e longa. Uma transição de muitas décadas. A mudança climática, por exemplo, não pode ser enfrentada apenas pela soma de várias iniciativas locais de baixo carbono na ausência de acordos internacionais que limitem as emissões de gases de efeito estufa. Isso significa que as iniciativas locais, importantes como estímulo a mudanças de valores, tem que se somar a iniciativas top down de estímulo a novas formas de produção, a inovações tecnológicas voltadas à sustentabilidade, a taxação sobre produções nocivas ao meio ambiente ou ao consumo ostentatório.
De toda forma, as resistências ao direcionamento novo como aponta o Decrescimento são muitas, ancoradas na ideologia do crescimento, em valores nocivos a uma vida saudável e aos mecanismos, procedimentos e instituições voltadas ao crescimento econômico a qualquer custo. Aos poucos, porém, os humanos vão se conscientizar de que uma sociedade do crescimento não é sustentável, não é saudável, nem propicia uma qualidade de vida para a maioria dos humanos. Mas, é uma aposta. Morin prefere apostar, acreditando que as novas realidades nascem de ideias inicialmente irrealistas (Terra Pátria).
Paul Gilding (A Grande Ruptura) acredita que as medidas necessárias ao bem-estar humano, conservando a natureza, só virá depois do grande desastre ecológico. Utilizando o exemplo da segunda guerra mundial nos EEUU, em que em poucos dias foram tomadas medidas que antes se imaginavam inviáveis, como o racionamento alimentar e a conversão das fabricas de automóveis, entre outras, em fábricas de materiais de guerra, afirma que quando o desastre ocorrer os humanos serão capazes de tomar as medidas de mudança que permitirá a todos viverem de forma mais modesta, porém sustentável. Claro que após a perda de milhões de vidas humanas. É essa perda que o Decrescimento quer evitar.
[1] RIPPLE, W. J.; WOLF, C.; NEWSOME, T. M.; GALETTI, M.; ALAMGIR, M.; CRIST, E.; MAHMOUD, M. I.; LAURANCE, W. F. World Scientists’ Warning to Humanity: A Second Notice. BioScience, v. 67, n. 12, p. 1026–1028, 2017.
[2] O minimalismo americano ganhou filme no Netflix (minimalism)
[3] Lembro-me de uma conversa entre dois professores universitários em 1995, época do real, em que descobriram que tinham o mesmo salário. Mas o francês vivia muito melhor porque tinha escola de graça, saúde de graça, transporte coletivo barato. Todos de qualidade.
[4] The second convivialist Manifesto in https://civicsociology.org/the-second-convivialist-manifesto
P.S Artigo originalmente publicado na Revista Será?
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