José Arlindo Soares

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As mudanças políticas que aconteceram com as eleições para a Assembleia Constituinte no Chile parecem apontar para uma redistribuição mais contemporânea dos níveis de poder no País, como mostra a composição da nova Assembleia. Como lembram diversos analistas, as próprias regras para a escolha dos Constituintes, com cadeiras respeitando a paridade de gênero e dos povos originários, já foram consideradas de vanguarda, diante da trajetória do próprio país e do que que ocorre hoje em outros países e regiões (Marcia Carmo- BBC News- 17/05).   Um país que se apresentava muito bem na macroeconomia foi tolhido por um onda de insatisfação, em razão do acúmulo de problemas que pareciam submersos. No final da Ditatura Militar, o Chile   viveu uma redemocratização negociada, cujos símbolos maiores foram a permanência da Constituição promulgada ainda no regime ditatorial, com o Ditador  outorgando-se o cargo de Senador e comandantes das forças Armadas. Uma situação política pra lá de esdrúxula, que aos poucos foi sendo sanada, embora a desigualdade aumentada pela modernização conservadora fincasse raízes que vieram à tona com as manifestações dos quatro últimos anos.

É importante lembrar que a retomada das eleições presidenciais na história recente do Chile foi precedida de um plebiscito, realizado ainda na ditadura militar (1988), onde se perguntava se Augusto Pinochet deveria permanecer no poder até 1997.  Do total dos votos válidos, ainda um expressivo percentual de 43.01% disse sim à continuidade do regime ditatorial, embora a maioria de 57% tenha decretado a mudança do regime.   Desde estão, dos setes pleitos realizados, cinco foram vencidos pela Concertación, uma coligação de centro- esquerda com hegemonia do partido socialista e da Democracia Cristã. Apenas dois pleitos foram vencidos pela direita liberal, no caso representada pelo atual Presidente Sebastián Piñera. Nos vinte anos de governos da aliança de centro-esquerda (Concertación e Nueva Mayoria) foram promovidas significativas mudanças no legado político e social do período da ditadura, mas não conseguiram reverter os fundamentos da economia, que para muitos faziam do Chile um oásis na AL. Os dados mostram que entre 1990 e 2000 a pobreza  caiu  de 38,7%  para 20,3% e o PIB cresceu em média 5,6%  (Jesper Garst – Milagre ou Miséria- 2017) mas, por outro lado, o sistema previdenciário passou a ser uma  fábrica de produzir pobreza, e vive em uma  situação pré-falimentar, enquanto as dificuldades de acesso à educação travam   a mobilidade social  , contribuindo para manter o Chile em um patamar alto de desigualdade no continente ,  que Jesper atribui ao legado deixado pelos  “Chicago Boys” ao País.  Embora este mantenha uma das maiores rendas per capita do continente, o coeficiente de Gini mostra ainda grande desigualdade:  em 2017, o índice do Chile  foi de 0,45, em comparação com 0,39 da Argentina  e Uruguai, 0,51 da Colômbia , 0,50 de México e 0, 54 do Brasil, o mais desigual da América Latina

De saída, o que chama atenção nessas eleições é que a sociedade emergente e insubmissa não permitiu que as forças políticas tradicionais ditassem as regras para a regulação do modelo eleitoral, que sempre favorece aos que já fazem parte do escopo tradicional do poder.   O grande diferencial do resultado da eleição dessa Constituinte foi a “débacle” dos partidos tradicionais. A Assembleia que redigirá a nova Constituição do Chile será marcada pela diversidade e pelo pluralismo.  Os candidatos eleitos por listas independentes, junto com a esquerda e a centro- esquerda, vão ocupar dois terços dos assentos da Assembleia, ressaltando-se o surpreendente terceiro lugar para os partidos de centro-esquerda que governaram o Chile entre 1999 e 2010.  A maior derrota, porém, ficou para a direita liderada pelo Presidente Sebastián Piñera, que não conseguiu eleger nem um terço das vagas, percentual que a impossibilitará de negociar as próprias normas de funcionamento da nova Assembleia. Merece destaque o pronunciamento civilizado do Presidente Piñera: logo depois de conhecer os resultados do pleito, foi enfático ao afirmar que a “a cidadania nos enviou uma clara mensagem. E também a todas as forças políticas tradicionais.   Não estamos sintonizadas com as demandas da cidadania, e estamos sendo questionados por novas expressões e novas lideranças“  (reproduzido pela BBC NEWS).  Para o professor Guilermo Holzmann, da Universidade de Valparaiso, “a eleição da Constituinte foi uma guinada na política chilena…os partidos políticos deixaram de ter controle e sugiram os independentes, que apareceram na lista da esquerda, mas não são necessariamente de esquerda. Eles defendem uma agenda de século 21 e são livres dos partidos tradicionais. (BBC News – 17/05/2021))

Por fim, pode-se afirmar que o clima de continuado crescimento econômico e de normalidade política no país não indica mudanças radicais, de caráter socialista, na estrutura econômica, e sim uma modernização no modelo, com uma agenda voltada para o meio ambiente, a diversidade, a garantia de uma saúde pública, a seguridade com aposentadoria digna, a educação de qualidade e a defesa da diversidade.  São temas que foram hegemônicos na campanha eleitoral para a eleição da Constituinte. Ao que parece, essa inusitada hegemonia de independentes de centro- esquerda sem as amarras partidárias deverá optar por reformar o sistema de suas mazelas mais gritantes.

P.S Artigo originalmente publicado na Revista Será?

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