Sérgio C. Buarque

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Quase a metade da população de Cuba tem menos de 40 anos, e cerca de 34% dos cubanos ainda não completaram 30 anos. Quando nasceram, a mística revolucionária já estava envelhecida. Essa distância de gerações deve provocar um alheamento do desgastado slogan revolucionário “Patria o muerte” e um inconformismo com a igualdade na escassez, as cotas de alimentos e as filas intermináveis (para não falar no privilégio dos que detêm dólares), com o mercado negro e, principalmente, com a falta de liberdade de informação e de organização. A pandemia escancarou as fragilidades econômicas de Cuba, e as recentes manifestações de protesto evidenciaram a rigidez do sistema político do país e a insensibilidade dos dirigentes, que continuam responsabilizando os inimigos externos pelos problemas nacionais. Nas últimas décadas, a União Soviética desmoronou, acabando com o fundamental apoio político e econômico, a China inclina-se na direção do capitalismo, e a transformação digital está rompendo as fronteiras nacionais. Mas o governo cubano continua ignorando o mercado, controlando a informação e desconhecendo as mudanças tecnológicas e geopolíticas que sacodem o mundo.

O que está mobilizando a juventude cubana que invadiu as ruas das cidades, na semana passada, é o slogan “Patria y vida”, da música de protesto criada por um grupo de rappers cubanos, que teve mais de 3,6 milhões de visualizações no YouTube. Depois de quase 70 anos do longevo regime, os cubanos não devem ter mais identidade com a ideia de morte pela pátria, querem vida, e vida melhor e mais livre, como diz a música: “Não mais mentiras, meu povo pede liberdade, não mais doutrinas, já não gritemos pátria ou morte, mas sim pátria e vida, e começar a construir o que sonhamos e que destruíram com suas mãos”. O sucesso do rap e a utilização do slogan “Patria y vida” nas manifestações mostra o poder transformador da arte (da música, em particular) quando expressa os anseios difusos da sociedade, mobilizando as energias sociais para a luta política por mudanças.

Nos últimos anos, o governo cubano vinha tentando flexibilizar a economia, abrir o mercado e liberar atividades privadas, ensaiou uma renovação da estrutura de poder sem, contudo, abandonar o sistema de partido único e de imprensa estatal. Os dirigentes sabem que é inevitável e inadiável organizar uma transição do “socialismo” cubano para uma economia de mercado e um sistema político democrático. Pareciam dispostos a tentar uma “perestroika” (reestruturação econômica) mas não admitem uma “glasnost” (abertura política). Eles temem que cada passo na reestruturação econômica provoque uma avalanche de demandas sociais e, principalmente, políticas que ameacem o seu domínio político. Foi assim com a liberalização da internet, através da qual os cubanos descobriram o mundo, conheceram as mazelas e injustiças, mas também os encantamentos, as inovações e as oportunidades. E que, além do mais, tornou-se uma poderosa ferramenta de mobilização, organização e divulgação das manifestações em grande parte do território cubano.

Lamentavelmente, as mobilizações desta semana provocaram uma reação muito negativa do governo cubano, que vai no sentido inverso das necessárias reformas econômicas e políticas e das aspirações da sociedade. O presidente Díaz-Canel voltou a responsabilizar o inimigo externo (o imperialismo norte-americano), chamou os manifestantes de “inimigos da revolução”, suspendeu a internet para silenciar os protestos e dificultar a organização social, e ainda convocou os “revolucionários” para um explosivo enfrentamento nas ruas. O bloqueio econômico norte-americano é uma aberração, um resquício inaceitável da guerra fria que, evidentemente, prejudica a economia cubana. Mas não é a causa das fragilidades do país, que resultam, antes de tudo, do anacronismo do modelo econômico e do regime político. O governo cubano não entendeu que os protestos indicam, na verdade, que Cuba precisa acelerar a transição para uma economia de mercado (até para consolidar avanços sociais, como na educação) e abrir o caminho para a democratização das instituições.

P.S Artigo originalmente publicado na Revista Será?

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